O vidro grosso das janelas do Yellow-Eyed Dog brilhava com uma luz maligna. O fogo na lareira criqva sombras ameaçadoras que dançavam como fantasmas embriagados.
Os freqüentadores sem dúvida estavam bêbados, pensou Artemis, mas certamente não eram fantasmas inofensivos. A maioria devia estar armada. O Yellow-Eyed Dog era um ponto de encontro para alguns dos piores elementos da zona do meretrício.
Madeline estudou o cenário atentamente através da janela da carruagem.
-- Por sorte lembrei de trazer a minha pistola.
Ele conseguiu evitar um gemido em voz alta. Estava com ela havia apenas uma hora, mas já a conhecia suficientemente bem para não se espantar com a novidade.
-- Faça o favor de mantê-la dentro da bolsa - disse ele com firmeza. - Prefiro não recorrer a pistolas, se puder evitar. Elas tendem a precipitar confusões muito desagradáveis.
-- Sei muito bem disso - rtrucou ela.
Ele lembrou dos boatos que tinha ouvido sobre a morte do marido dela.
-- É, imagino que saiba. - No entanto - continuou Madeline -, raptar uma jovem no meio da rua não é nenhum crime bem comportado ou agradável, senhor. Suspeito que não terá uma solução ordenada.
Ele retesou o maxilar.
-- Se a sua Nellie está dentro do Dog, devo conseguir resgatá-la sem usar uma pistola.
Madeline continuava a duvidar.
-- Acho que isso não vai ser possível, Sr. Hunt. Os freqüentadores parece um bando bem rude.
-- Mais um motivo ainda para evitar barulho que pode chamar a atenção deles. - Ele olhou para ela. - Meu plano só não vai funcionar se a senhora não seguir as instruções, madame.
- Eu concordei em sujeitar-me ao seu esquema, e é isto que vou fazer. - Ela fez uma pausa. - A não ser, é claro, que alguma coisa dê errado.
Ele tinha de se contentar com aquela promessa fraca, pensou. A Perversa Viúva obviamente estava acostumada a dar ordens, não a receber.
- Muito bem, então vamos trabalhar. Compreendeu o seu papel?
- Não se preocupe, senhor. John Pequeno e eu estaremos esperando na carruagem, na rua dos fundos.
- Tratem de estar lá. Ficarei muito aborrecido se sair pela porta dos fundos com a Nellie e não avisatar nenhum meio de transporte conveniente para me afastar da vizinhança.
Artemis jogou o chapéu no banco e desceu da carruagem.
Latimer passou as rédeas para John Pequeno e desceu da boléia para juntar-se a Artemis. Parecia ainda maior de pé na calçada do que encurvado no banco da boléia. Os ombros largos do cocheiro escondiam a maior parte do brilho da única lamparina da carruagem.
Artemis lembrou da primeira impressão que teve de Latimer. Mais um guarda do que um cocheiro.
- Estou com a minha pistola, senhor - Latimer tranquilizou Artemis.
- Você e a sua patroa andam sempre armados até os dentes?
Latimer pareceu surpreso com a pergunta.
- Sim, senhor.
Artemis balançou a cabeça.
- E ela acha que eu sou excêntrico. Deixe pra lá. Está pronto?
- Sim, senhor. - Latimer lançou um olhar ameaçador para as janelas do Yellow-Eyed Dog. Por Deus, se machucarem a minha Nellie, farei cada um deles pagarem por isso!
- Duvido que tenho tido tempo para fazer algum mal à moça. - Artemis foi atravessando a rua. - Para ser franco, se ela foi raptada com a intenção de ser vendida para um bordel, os bastardos terão de ter muito cuidado para não fazer nada que prejudique... é... seu valor nesse mercado específico, se é que me entende.
Latimer ficou tenso de apreensão e fúria.
- Compreendo muito bem, senhor. Ouvi dizer que vendem moças em leilões, do mesmo jeito que vendem cavalos em Tattersall's. As pobrzinhas ficam com quem dá mais.
Naos se preocupe, vamos encontrá-la em tempo - disse Artemis calmamente.
Latimer virou-se para Artemis. Seu era uma máscara gelada à luz amarela que brilhava pelas janelas da taverna.
- Se tirarmos minha Nellie a salvo daqui esta noite, quero que saiba que serei seu devedor pelo resto da vida, senhor.
O pobre homem estava apaixonado, pensou Artemis. Sem encontrar palavras pata acalmá-lo, apertou o ombro de Latimer.
- Não esqueça - disse Artemis. - Dê e quinze minutos, não mais, e então invente alguma coisa para chamar a atenção - ele se escondeu nas sombras.
- Sim, senhor - Latimer caminhou com passos largos para a porta da taverna e desapareceu lá dentro.
Artemis foi para a rua que dava nos fundos da taverna. Com três passos ele ficou cercado por uma onda de odores pestilentos. A passagem estreita obviamente era usada como banheiro, alem de depósito de lixo. Suas botas iam precisar de uma boa limpeza quando terminasse o trabalho aquela noite.
Chegou ao fundo da viela, virou a esquina e se viu no que um dia havia sido um jardim. O banheiro da taverna ficava num canto. A porta da cozinha estava aberta para deixa o ar da noite entrar. No andar de cima, uma luz trêmula numa janela.
Artemis puxou para cima a gola do seu sobretudo para esconder o rosto e foi andando na direção da porta da cozinha. Se alguém o visse, passaria como apenas mais um libertino bêbado que vagava pelos bordéis em busca de devassidão e divertimento.
Achou a escada dos fundos e subiu, dois degraus de cada vez, até o andar de cima. No patamar, ele ouviu vozes abafadas de dois homens. Uma discussão violenta se desenrolava atrás de uma das portas que davam para o corredor escuro.
- Ela é seda pura, estou te dizendo. Podemos conseguir o dobro por ela daquela velha alcoviteira que diride a casa da Rose Lane.
- Eu fiz um acerto, maldita seja, e não vou desfazer. Tenho de pensar na minha reputação.
- Isso que a gente está fazendo é um negócio, seu idiota, não algum esporte de cavalheiros, com regras e coisas assim. A questão é fazer dinheiro, e estou te dizendo, ela valerá muito mais se for vendida para a dona do bordel na Rose...
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Perversa Viúva
RomanceMadeline Deveridge sabe que sua reputação não é das melhores. Conhece bem os boatos que a acusam de ter assassinado o próprio marido e ocultado o crime. No momento, porém, ela tem um problema muito mais sério do que ser chamada de "perversa viúva"...