Capítulo 2

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Dois antigos menires marcavam a entrada do convento. As galinhas no pátio estavam começando a se agitar, naquele instante ciscavam a terra em busca de café da manha. A minha aproximação, cacarejavam e bateram as asas pra longe.

Parei na porta. Queria encontrar um canto e dormir até clarear a cabeça, mas o marinheiro disse que a abadessa estava me esperando e, apesar de não saber muito sore abadessas, desconfiei que elas não gostavam de esperar.

Meu coração acelerou enlouquecido quando ergui a mão e bati. A porta pesada se abriu imediatamente e revelou uma mulher baixa e inexpressiva coberta de negro da cabeça aos pés. Sem dizer uma palavra ela gesticulou para que eu entrasse.

Eu a segui através de um salão com poucos móveis, depois por um corredor igualmente austero que levava ao coração do convento. Minha guia bateu uma vez em uma porta fechada.

-Entre- ordenou a voz.

Minha guia abriu a porta e me conduziu para dentro. A mobília era simples, mas mas sólida, e as primeiras luzes da manhã entravam pela janela que dava para o leste. Meus olhos imediatamente atraídos para a mulher sentada a mesa grande no centro do aposento. Ela usava hábito e uma touca pretos, e seu rosto pálido era de uma beleza impressionante.

Sem levantar os olhos, ela me apontou uma cadeira. Meus passos ecoaram suavemente em todo aquele espaço, quando me aproximei de sua mesa. Apertei o cobertos ao meu redor e depois sentei.

A abadessa ergueu a cabeça do trabalho, e me vi encarando um par de olhos azuis tão frios quanto o mar.

-Ismae Rienne.

Levei um susto, surpresa por ela saber meu nome.

-Sabe por que está aqui, filha?

Não sabia que resposta ela procurava, mas fui tomada por um desejo súbito de obter sua aprovação.

-Por que desagradei meu novo marido?

-Desagradou?- A abadessa deu um leve sorriso de escárnio, o que me fez gostar ainda mais dela. -Pelo que eu soube, ele praticamente molhou as ceroulas com medo de você.

Senti uma vergonha familiar subir pelo rosto e abaixei meus olhos para o colo.

-A culpa não está em você, filha.- Ela disse isso com tamanha gentileza que tive vontade de chorar. Jamais derramara uma lágrima, nem mesmo durante as brutais surras de meu pai, nem com a brutalidade de Guillo, mas algumas palavras daquela mulher me fizeram chorar como um bebê.

-Então conte-me- disse ela, puxando para perto pena e tinteiro.- Você conhece as circunstancias de seu nascimento?

Arrisquei olhas para seu rosto, mas ela estava concentrada no que escrevia em seu pergaminho.

-Só sei que minha mãe não queria mina gravidez. Ela foi a uma curandeira em busca de veneno, na esperança de me expulsar de seu útero.

-E mesmo assim, você sobreviveu.- Ela ergueu os olhos. As palavras foram ditas em voz baixa, mas tiveram o poder de um grito na imobilidade do aposento.

Encontrei o olhar firme da abadessa.

-E, mesmo assim, eu sobrevivi.

-Você tem alguma ideia do que isso significa?

-Quer dizer, além de passar a vida nas sombras, me esquivando de pancadas e me mantendo fora de vista pra não provocar um medo exagerado nos outros?

-Sim, além disso.- A voz dela era seca como osso. Ela se debruçou, os olhos iluminados com algum propósito.- Eles não afirmaram, Ismae, que você foi concebida pela própria morte?

Perdao MortalOnde histórias criam vida. Descubra agora