A hóspeda e o estudante deixaram então a gruta e, tomando campo no jardim para vencer a altura do rochedo, viram a bela Moreninha em pé e voltada para o mar, com seus cabelos negros divididos em duas tranças que caíam pelas espáduas, e cantando com terna voz o seguinte:
I - Eu tenho quinze anos
E sou morena e linda!
Mas amo e não me amam,
E tenho amor ainda,
E por tão triste amar
Aqui venho chorar.
II - O riso de meus lábios
Há muito que murchou;
Aquele que eu adoro
Ah! foi quem o matou:
Ao riso, que morreu,
O pranto sucedeu.
III - O fogo de meus olhos
De todo se acabou:
Aquele que eu adoro
Foi quem o apagou:
Onde houve fogo tanto
Agora corre o pranto.
IV - A face cor de jambo
Enfim se descorou;
Aquele que eu adoro
Ah! foi que a desbotou:
A face tão rosada
De pranto está lavada!
V - O coração tão puro
Já sabe o que é amor;
Aquele que eu adoro
Ah! só me dá rigor:
O coração no entanto
Desfaz o amor em pranto.
VI - Diurno aqui se mostra
Aquele que eu adoro;
E nunca ele me vê,
E sempre o vejo e choro:
Por paga a tal paixão
Só lágrimas me dão!
VII - Aquele que eu adoro
É qual rio que corre,
Sem ver a flor pendente
Que à margem murcha e morre:
Eu sou a pobre flor
Que vou murchar de amor.
VIII - São horas de raiar
O sol dos olhos meus;
Mau sol! queima a florzinha
Que adora os raios seus:
Tempo é do sol raiar
E é tempo de chorar.
IX - Lá vem sua piroga
Cortando leve os mares:
Lá vem uma esperança,
Que sempre dá pesares:
Lá vem o meu encanto,
Que sempre causa pranto.
X - Enfim abica à praia;
Enfim salta apressado,
Garboso como o cervo
Que salta alto valado:
Quando há de ele cá vir
Só pra me ver sorrir?...
XI - Lá corre em busca de aves
A selva que lhe é cara,
Ligeiro como a seta
Que do arco seu dispara:
Quando há de ele correr
Somente pra me ver?
XII - Lá vem do feliz bosque
Cansado de caçar;
Qual beija-flor, que cansa
De mil flores beijar:
Quando há de ele cansado
Descansar a meu lado?...
XIII - Lá entra para a gruta,
E cai na rude cama,
Qual flor de belas cores,
Que cai do pé na grama:
Quando há de nesse leito
Dormir junto a meu peito?
XIV - Lá súbito desperta,
E na piroga embarca,Qual sol que, se ocultando,
fim do dia marca:
Quando hei de este sol ver
Não mais desaparecer?
XV - Lá voa na piroga,
Que o rasto deixa aos mares,
Qual sonho que se esvai
E deixa após pesares:
Quando há de ele cá vir
Pra nunca mais fugir?...
XVI - Ó bárbaro! tu partes
E nem sequer me olhaste?
Amor tão delicado
Em outra já achaste?
Ó bárbaro! responde
Amor como este, aonde?
XVII - Somente pra teus beijos
Te guardo a boca pura;
Em que lábios tu podes
Achar maior doçura?...
Meus lábios murchareis,
Seus beijos não tereis!
XVIII - Meu colo alevantado
Não vale teus braços?...
Que colo há mais formoso,
Mais digno de teus braços?
Ingrato! morrerei...
E não te abraçarei.
XIX - Meus seios entonados
Não podem ter vala?
Desprezas as delícias
Que neles te oferecia?
Pois hão de os seios puros
Murcharem prematuros?
XX - Não sabes que me chamam
A bela do deserto?...
Empurras para longe
O bem que te está perto!
Só pagas com rigor
As lágrimas de amor?...
XXI - Ingrato! ingrato! foge...
E aqui não tornes mais:
Que, sempre que tornares,
Terás de ouvir meus ais:
E ouvir queixas de amor,
E ver pranto de dor!...
XXII - E, se amanhã vieres,
Em pé na rocha dura
'Starei cantando aos ares
A mal paga ternura...
Cantando me ouvirás.
Chorando me acharás!...
VOCÊ ESTÁ LENDO
A Moreninha (JOAQUIM MANUEL DE MACEDO)
RomanceUma história de Joaquim Manuel de Macedo com 23 capítulos mais o Epílogo. Augusto é um namorador incorrigível. Até que conhece Carolina, a Moreninha. A partir daí, o rapaz é seduzido pelo encanto da moça e, pela primeira vez, descobre o real signif...