Capítulo I - Curitiba

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   Aaron adorava andar de ônibus. Sempre que podia, ia desse jeito aos lugares, como naquele dia.
   Tinha ido à biblioteca pública devolver um livro que havia emprestado, A Volta ao Mundo em 80 Dias, de Júlio Verne. Não que ele não tivesse dinheiro para comprar os livros, mas, como eram muitos, seus pais mandaram ele emprestar da biblioteca, porque era muito dinheiro gasto com as obras – o garoto pedia um novo a cada semana, sendo que lia todos.
   Ele morava próximo ao parque Barigui, o melhor e mais bonito da cidade, pela opinião dele. Havia pego o ônibus expresso para voltar para casa e ia sentado lendo outro livro que pegara na biblioteca, O Médico e o Monstro, de Robert Louis Stevenson, quando, depois de uma certa parada, um senhor já de idade sentou-se ao seu lado.
   —Ótimo livro, esse, se você quer saber - comentou o homem depois de um tempo. - Drácula também é um maravilhoso livro, além de ser parecido com esse. No tema, quero dizer.
   —Ah, sim - concordou Aaron. - Eu já li Drácula, um dos melhores que já li.
   —Pelo que parece adora ler, não é garotinho?
   —Acho que sim - respondeu, tentando parecer modesto, o que, na maioria das vezes, acontecia. - A propósito, qual seria o seu nome senhor?
   Aaron ainda não havia olhado o velhinho, apenas após perguntar como ele se chamava, olhou-o nos olhos e notou que eram de um profundo violeta belíssimo. Seu cabelo era inteiramente branco e cortado curto, mas ainda assim bem cheio, sem nenhum sinal de calvície. Sua barba também era do mesmo tom da mais pura neve, recém feita com exímio. Seus lábios eram finos e de um vermelho já desgastado, seu nariz era levemente adunco, sua pele evidenciava bastante sua idade avançada, flácida e cheia de rugas. Era de uma altura mediana, não passava de 1,75 metro. Trajava uma camiseta azul celeste de manga comprida, calças de moletom pretas e tênis cinzas claro com detalhes azuis, vestuário adequado ao frio agradável de maio.
   —Habry - respondeu o homem.
   —Um nome incomum, para um brasileiro, se você quiser saber.
   —Concordo com você. Qual seria o seu nome, garoto?
   —Aaron.
   —O seu também não é muito comum por aqui.
   —Eu sei - falou, com um certo tom de tristeza.
   Aaron sempre achara estranho seu nome e sempre que perguntava a seus pais o porquê daquele nome tão diferente, eles apenas diziam que era porque aquele era o nome que ele estava destinado a ter, o que, na sua opinião, era um motivo muito estranho.
—Quantos anos tem, Aaron? - perguntou, quebrando o silêncio após alguns instantes.
—Treze. Mas farei catorze amanhã. - respondeu o menino.
—Então eu acertei. Realmente, sua mãe sabe bastante sobre você, até em qual horário você pega o ônibus para voltar para casa, mesmo não sendo rotina. Pelo menos não todo dia - e soltou uma gargalhada.
—Como? Calma. Eu... Você conhece minha mãe? - questionou, com surpresa e medo.
—Isso não vem ao caso agora, meu ponto já está quase chegando - falou o velho, com um tom muito sério que deixou Aaron com ainda mais medo. - Você é cristão?
—Como? O quê?
—Apenas responda.
—Não. Não sou.
—Ótimo - disse Habry, já se levantando, agora com muito menos seriedade. - Isso facilita as coisas. Até amanhã Aaron!
O ônibus parou em uma das estações tubo e o senhor desceu.
Aaron não respondeu, estava completamente pasmo. Todas aquelas perguntas, aquelas afirmações, tudo era muito estranho e assustador. E o pior de tudo, ele havia dito "até amanhã". O que aquilo significava? Quanto mais pensava, mais ficava assustado.
Tudo aquilo estava tão difícil de digerir que ele quase perdeu seu ponto.

O Cardeal - O Último dos CatorzeOnde histórias criam vida. Descubra agora