Capítulo II - Curitiba

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Aaron ainda estava atônito quando chegou em sua casa, com seus altos muros pintados de branco, três andares, um espaçoso quintal com grama verdíssima e repleto de flores, dando espaço suficiente para sua vira-lata, Agnes, correr solta até se cansar. Todo o exterior da casa era de um bege bem claro, quase branco.
Ao entrar, ainda estava tão imerso em pensamentos que ignorou a cadela e entrou diretamente. Largou os livros na mesa da cozinha e começou a subir as escadas. Foi quando ouviu seus pais conversando no escritório, no último andar. Pelo jeito que falavam, parecia ser algo importante e preocupante, o que fez Aaron parar nas escadas e ficar ouvindo a conversa.
—Ele é apenas uma criança - disse sua mãe, não deviam tê-lo ouvido chegar.
—Mesmo assim deve ser feito - retorquiu seu pai. - Além do mais, ele é O Escolhido, tanto pode quanto deve fazê-lo.
—Não posso permitir isso. E se algo acontecer com ele, e se ele...
—Isso não vai acontecer. Habry sabe o que faz.
Aquele nome. Era o homem que ele havia conhecido no ônibus. Tinha de ser. Não havia tantas pessoas com aquele nome, quase nenhuma. Isso fazia as coisas se tornarem muito mais estranhas.
—Habry é louco! - exclamou a mãe. - Pode ser velho e sábio, mas, às vezes, faz coisas sem o menor sentido.
—Esta não é uma dessas vezes.
—Ele ainda não está preparado.
—Ele está. Você é que não está preparada.
Aquilo só deixou-o ainda mais atônito.
   —Aaron é meu filho! - berrou a mulher. - Eu não permitirei que faça isso! É suicídio, é loucura, é...
   —Ele também é meu filho! - interrompeu o marido, também gritando. - Mas eu sei que ele realmente precisa fazer isso, eu estou pensando racionalmente pelo que é melhor para nós e para todo o mundo, enquanto você está tendo esse pensamento totalmente individualista, onde fica seu altruísmo?! Ambos sabemos que ele tem que fazer isso - falou mudando o tom para algo como tristeza, consolação e aceitação. - Se O Escolhido não o fizer, ninguém mais fará. Eu também estou preocupado e com medo, porém eu sei que é necessário, talvez ele realmente queira fazê-lo, com vontade. Por favor, eu te peço encarecidamente que pense de forma racional, por favor.
Sua mãe bufou e saiu do recinto no qual estava, batendo os pés. Ao encontrá-lo nas escadas enquanto descia, apenas disse com ternura e lágrimas nos olhos:
—Meu filho. Meu querido filho. Amanhã fará catorze anos. Como o tempo passa rápido - soltou um soluço. - Você é tão lindo, especialmente seus olhos.
Aaron não se julgava bonito, mas outras pessoa, além de sua mãe, o achavam. Tinha cabelos curtos loiro dourado, uma tez branca, um pouco marfim, um nariz bem esculpido, lábios grossos escarlates, ombros razoavelmente largos, indícios de um futuro corpo escultural, dedos longos e finos, braços compridos e razoavelmente musculosos, longas pernas fortes, grandes pés e um longo pescoço. Era alto, já tinha mais de 1,75 metro, e magro, mas não demais. O mais curioso nele eram seus olhos, os quais não sabia de onde vieram, porque ninguém em sua família os tinha, mas seus pais diziam que alguns antepassados da família os tiveram. As íris de seus olhos eram castanho alaranjadas, mas, com a luz, adquiriam um tom de bordô em torno das pupilas. Todos achavam magníficos seus olhos.
Não deu nenhuma resposta à sua mãe e subiu diretamente para seu quarto, onde ficou especulando sobre o que acontecera naquele estranho dia.

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O dia seguinte, uma quarta-feira, era seu aniversário. Faria catorze anos. Sua mãe havia lhe dito uma vez que ele nascera exatamente às duas horas da tarde e continuava a lembrar-se disso, mesmo considerando algo irrelevante.
Aaron já não mais queria festas, não fazia mais sentido. Convidara apenas seus amigos mais próximos, que eram cinco, Henrique, Otávio, Marina, Júlia e Scarlett. Pretendia fazer o aniversário no sábado, porém seus pais insistiram para que fosse no dia correto e assim foi feito.
Após irem ao colégio, foram até a casa de Aaron para a "festa". Almoçaram uma salada ceasar, um filé mignon grelhado, escondidinho de carne-seca e, por fim, de sobremesa, o bolo de aniversário. Este era de baunilha, recheado com brigadeiro e uma cobertura de merengue flambado, um bolo deslumbrante feito pela mãe de Aaron.
—Nossa! Que almoço maravilhoso! - elogiou Henrique. - Sua mãe é realmente uma cozinheira ótima!
—Concordo plenamente - concordou Aaron, se esforçando para esquecer os acontecimentos do dia anterior.
   —Espero que chegue logo a melhor parte. A sobremesa! - falou Júlia.
   —Que, no caso, é o bolo - acrescentou Marina.
   —Mas eu ainda não entendi o porquê de você fazer seu aniversário numa quarta-feira, no meio da semana - comentou Otávio. - Tudo bem que hoje é o dia certo, mas não daria para ser no sábado, por exemplo? Porque temos que fazer nossa tarefa de casa.
   —Eu também queria fazer tudo isso no sábado, só que meus pais insistiram em fazê-lo hoje - respondeu Aaron. - Não sei por qual motivo.
   Conversavam sentados em poltronas e em um sofá que estavam na sala de estar. A sala era ampla e espaçosa, dividia o espaço com a sala de televisão e a de jantar, que, juntas, formavam o segundo andar. As poltronas eram de couro marrom escuro, largas, com altos encostos e braços; o sofá era comprido, tendo espaço para quatro pessoas nele se sentarem, era de linho branco um pouco escuro, de encosto e braços de altura mediana, mas bem largos, as almofadas que nele havia intercalavam ente bege e marrom, todas as cinco de igual tamanho; havia uma pequena mesa de centro, a qual era marrom escuro, a mesma cor das poltronas, tinha quatro pés curtos e grossos, uma superfície plana e larga com um vidro preto em cima e um vaso esférico de vidro transparente com um buquê de rosas vermelhas e amarelas, colhidas do jardim, que tinham seus caules mergulhados na água; também havia um tapete branco felpudo, o qual estava embaixo das quatro poltronas, do sofá e da mesinha. Na parede da sala de estar havia três quadros de tamanho mediano dispostos um ao lado do outro a, aproximadamente, um metro e oitenta centímetros do chão, sendo que o pé direito era de dois metros e meio. Em cada um dos quadros havia uma pintura de um ponto turístico de Roma, o Coliseu; Londres, a Trafalgar Square e Berlim, a Porta de Brandeburgo. Num dos cantos da sala, havia um grande relógio de pêndulo de mogno recostado na parede, era muito bem trabalhado, tudo à mão, havia magníficos arabescos e detalhes que eram idênticos aos de templos gregos, o pêndulo era inteiramente trabalhado em bronze, assim como os ponteiros, os números estavam em algarismos romanos de ouro, sobre a superfície branca do relógio, era uma verdadeira relíquia. Estranhamente, aquele relógio estava extremamente lúgubre e amedrontador para Aaron naquele dia, e ele não fazia ideia do porquê.
   —Está na hora de cantar parabéns! - cantarolou a mãe de Aaron entrando no recinto com o bolo nas mãos.
   —Enfim! - exclamou Scarlett.
   Os seis se levantaram e se juntaram aos pais do aniversariante em torno da mesa da sala de jantar.
   —Isso me faz lembrar de catorze anos atrás, nesse mesmo dia, quase nesse horário, em que você nasceu, meu filho - falou a mulher com lágrimas nos olhos.
   —Não é todo dia que um garoto faz catorze anos - falou o pai. - Está quase na hora! Cantemos logo os parabéns!
   Todos cantaram a típica canção de aniversário enquanto batiam palmas. A cada segundo, o som das vozes e das palmas ficavam mais abafados, enquanto a cabeça do aniversariante ficava cheia de vozes. Quando terminaram de cantar, a mãe disse ao filho:
   —Assopre as velas e faça um pedido. Está quase na hora.
   Aaron soprou-as exatamente no momento em que o relógio bateu duas horas. Neste exato momento, ele sentiu algo como uma brisa fresca e mágica em seu corpo e algo se libertou dentro dele, dentro de sua aura.
   Assim, ele caiu desfalecido no chão.

O Cardeal - O Último dos CatorzeOnde histórias criam vida. Descubra agora