O dia seguinte

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Thomas acordava devagar, sentia seu corpo doer por toda a parte e com muito esforço conseguia mexer os olhos, ainda fechados.

— Gente, eu acho que ele tá acordando.

Thomas conhecia aquela voz.

— Olha, ele tá se mexendo.

Também conhecia essa.

— Filho, por favor.

Aquela era sua mãe, sem dúvidas.

Com dificuldades ele abriu os olhos e reconheceu os rostos que o rodeavam. De um lado da cama estavam Marry e Edu e do outro lado, sua mãe.

— Filho, você está bem?

— Deixem ele descansar um pouco. – dessa vez um homem alto e grisalho que estava ao fundo que se aproximava – Ele acordou um pouco antes do esperado, e apesar de isso ser bom, temos que deixar ele descansar primeiro. Não me surpreenderia que ele não fosse capaz nem de falar agora.

E Thomas não era mesmo.

— Irei fazer alguns testes e exames nele, agora que acordou, e então darei um diagnóstico melhor. Nos deixem a sós, por favor.

Todos foram se retirando em relutância e Thomas ficou sozinho com o médico. Ele examinou seus ouvidos, olhos, mediu a pressão e foi tomando suas conclusões.

— Então, Thomas, aparentemente está tudo bem. Você passou por pouco, foi um acidente bem feio. Fizemos antes alguns raios X e outros exames e você não apresenta nenhum dano mais grave na cabeça, foi apenas um ferimento superficial, você deve ter desmaiado apenas pelo stress. Já consegue falar?

Thomas foi abrindo a boca devagar balbuciando algumas coisas até que conseguiu formar palavras.

— O garoto...

— Garoto?

— Havia um garoto. Acho que o atropelei, não sei. Como ele está?

O médico o encarou por alguns segundos.

— Apenas descanse, você ficará bem. Quer que eu deixe seus familiares entrarem?

Thomas assentiu com a cabeça e o médico saiu e pouco depois os outros entraram novamente.

— Que susto você deu na gente hein cara.

— O que aconteceu? – Thomas perguntou pra qualquer um responder.

— Você bateu o carro, como eu disse que faria se saísse por aí naquele estado. Deu muita sorte que não aconteceu nada com você, mas seu carro já era.

— Quanto tempo fiquei desacordado?

— Basicamente um dia.

— Onde está o garoto? Tinha um garoto lá, cadê ele?

Os três se entreolharam, senti um gelo na espinha, temendo o pior.

— Filho, - minha mãe passou a mão pelo meu rosto – talvez seja melhor você descansar um pouco.

— Onde está o garoto?

— O médico disse que você poderia variar um pouco.

— O que aconteceu com o garoto?

— Não havia nenhum garoto lá, Thomas.

Foi como um choque. Como assim não havia um garoto lá? Thomas o vira, quase o atropelara, e depois o vira jogado na estada, talvez até morto.

— Tinha um garoto lá, foi por isso que bati, eu fui me desviar dele. Achei que tinha conseguido, mas aí vi ele jogado na rua todo ensanguentado.

— Thomas...

— Olha, se eu matei aquele garoto, me falem! - ele aumentou o tom - Eu consigo lidar com isso e tenho que lidar com as consequências dos meus atos! Eu atropelei uma criança e agora vocês me vem falando que não havia mais ninguém lá? Quem foi? Foi o papai né? Cadê ele? Chama ele aqui pra eu falar na cara dele que não preciso mais da sua proteção corrupta de juiz. Cadê ele?

— Thomas, seu pai está no exterior, ele está a caminho pra cá.

— Então por que estão mentindo pra mim? Onde está a criança?

Os três continuavam se entreolhando, suas feições agora claramente mais preocupadas. Eduardo fez um sinal com os olhos pedindo pra ficar a sós com eles, e as duas obedeceram, saindo da sala, a mãe de Thomas quase aos prantos.

Edu puxou uma cadeira e a colocou do lado da cama, pousou os cotovelos sobre seus joelhos e entrelaçou os dedos. Deu um suspiro e passou as mãos pelos cabelos loiros.

— Thomas...

— A verdade, cara.

Eduardo continuou o observando.

— Tudo bem então. Ontem de manhã, quando o acidente ocorreu, eu recebi uma ligação me avisando. A Naiara, que saiu da boate pouco antes de mim, estava passando pela mesma rua em que você bateu e ela viu tudo acontecer. Você veio em alta velocidade, passou o sinal vermelho, e na faixa de pedestre você perdeu o controle. Seu carro rodou na pista e só parou quando topou de frente com um poste. Outras testemunhas confirmaram a história dela para a polícia. Não havia mais ninguém envolvido no acidente. Cara, eu tô te falando a verdade. Não tinha nenhum garoto lá.

— Mas eu o vi... ele estava lá.

— Olha, você tava bêbado, e pode ser o efeito dos remédios que você tá tomando aí na veia também, mas não tinha ninguém lá. Fica tranquilo, quando isso acabar você vai ver que vai estar tudo bem e vai se lembrar que não tinha garoto nenhum lá.

— É... tudo bem.

O tempo foi passando e Thomas ficou internado mais um dia em observação, e, no dia seguinte, o médico não viu mais nenhum motivo para lhe prender ali e lhe deu alta. Eduardo o estava aguardando do lado de fora enquanto Thomas arrumava suas coisas para sair do hospital. Ele estava em pé colocando algumas roupas em uma mochila em cima da cama quando percebeu um movimento pelo canto do olho. Quando olhou pra ver quem era, seu coração parou no mesmo segundo e sua pele empalidecera como farinha. Era ele, o garoto.

Ele não devia ter mais do que sete anos, sua pele era branca e seus cabelos muito escuros. Ele estava muito pálido e sua blusa estava manchada de sangue. Ele ficou apenas ali, olhando para Thomas, que não conseguia dizer uma palavra, até que o garotinho se virou e saiu correndo. Como um raio, Thomas foi atrás dele, gritando para que ele parasse. O garoto continuava correndo, atravessando corredores e descendo escadas, mas Thomas, por mais que corresse, não parecia capaz de alcança-lo. O rapaz, que ainda precisava de repouso, fica tropeçando em tudo, trombando em pessoas e quase perdendo o equilíbrio vez ou outra. O garotinho então parou de correr no fim de um corredor escuro. Pelo quanto que haviam descido, Thomas calculou que já estaria no subsolo. O garoto apenas ficou parado ali, olhando para Thomas que se aproximava devagar para não assustá-lo.

— Ei, rapazinho. – Thomas estava a uns quinze metros dele se aproximando calmamente com as mãos pra frente. – Eu não vou te machucar. Você está bem? Qual o seu nome?

O garoto não falava nada.

— Tá tudo bem. Eu só quero conversar com você, tá legal? Me fala o seu nome.

O garoto continuava calado apenas encarando Thomas com uma expressão vazia. Quando Thomas estava a uma distância de mais ou menos cinco metros, o garoto virou as costas e entrou correndo nas largas portas atrás dele. Thomas gritou para chamar sua atenção e começou a correr atrás dele de novo, mas parou abruptamente ao estar perto o suficiente para ler a pequena placa que estava acima da porta.

"Necrotério"

Os Três Sinais VermelhosOnde histórias criam vida. Descubra agora