O acidente

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Thomas abriu a janela do carro e buzinou repetidas vezes na porta da casa do amigo, que não demorou a aparecer gritando.

— Olha, eu tenho vizinhos, tá bem?

— E as festas super barulhentas que você dá todo final de semana confirmam que você se importa muito com eles, né Edu?

— Cala a boca, vamos logo.

Eduardo entrou no carro e sentou-se ao lado de Thomas que arrancou em uma partida, deixando uma marca preta de pneu no asfalto. Após virar algumas esquinas, desacelerou e colocou o braço para trás do seu banco, tentando apalpar algo ali embaixo.

— Quer ajuda?

— Deixa, peguei.

Thomas puxou então uma lata de energético e passou para o amigo, que a abriu e devolveu.

— Sério que você já tá bebendo?

— Qual é, só pra esquentar, pega uma também.

Todos os finais de semana Eduardo reunia toda a galera da turma da faculdade para uma festa em sua casa, e claro, seu melhor amigo não podia deixar de estar lá. Mas não hoje, hoje um novo clube ia abrir no centro e é pra lá que toda a turma resolveu se encontrar. A noite prometia, e muito.

Após uns quinze minutos – caminho que uma pessoa andando dentro da velocidade permitida gastaria trinta pra fazer – Thomas estacionou seu modelo de luxo na porta da boate, que já tinha uma fila que rodeava o quarteirão. O rapaz sabia que nem um quarto daquelas pessoas chegariam a entrar, conhecia muito bem o sistema desses locais. Com Eduardo ao seu lado, ele foi passando por todo mundo, ignorando toda a fila, enfim chegando em um brutamontes careca que estava na portaria. Thomas então tirou do bolso duas pulseiras VIP azuis e mostrou ao segurança que, após uma breve analisada, deu um sorrisinho.

— Coloquem isso no braço ou terão problemas lá dentro.

O homenzarrão colocou as pulseiras azuis no bolso esquerdo e do bolso direito tirou duas pulseiras douradas, feitas de um material completamente diferente da anterior - aparentemente não era tão fácil assim entrar ali de penetra – e as entregou aos dois rapazes que logo as amarraram a seus pulsos.

— Pode deixar chefe. – Thomas piscou para o segurança que abriu a porta para eles.

O som dos protestos e vaias do pessoal da fila do lado de fora foi logo abafado pela música alta que vinha do lado de dentro enquanto o cheiro suave daquela fumaça artificial invadia as narinas de Thomas, já despertando em si aquele garoto irresponsável e louco por uma bebedeira.

— Cara, esse lugar tá bombando! – Eduardo gritou tentando colocar sua voz acima da música enquanto a porta se fechava atrás dele.

E o jovem tinha razão. O lugar já estava lotado de pessoas dançando – ou se balançando como podiam – dividindo espaço com todas as luzes e fumaça que estavam por todo canto. Ao lado direito eles viram um grande bar com vários bartenders fazendo todo tipo de bebida, e ao lado esquerdo, bem perto do palco do DJ, eles viram uma área cercada e protegida por alguns seguranças.

— Ali, olha. – Thomas apontou para a área VIP – Vamos.

Os rapazes seguiram para a área isolada, mostrando suas pulseiras douradas para os seguranças, que logo os deixaram entrar. Essa área – além de estar mais próxima do palco – tinha seu próprio bar com bebidas de primeira linha e até uns quartinhos no fundo, para quem não quisesse se agarrar ali mesmo na frente de todo mundo. Correndo os olhos pelo local, Eduardo viu Marry, sua namorada e logo foi a seu encontro e por algum tempo os dois ficaram trocando carícias em público.

— Arrumem um quarto vocês dois.

— Talvez a gente arrume mesmo, tem uns lá atrás.

— Credo amor, não vou usar um quarto de boate.

— Relaxa gata, a gente ia ser os primeiros, vem, vamos encher aquele lugar de suco do amor.

Eduardo puxou a garota pelo braço e juntos eles foram até um dos quartos, mas logo voltaram, eles realmente não iam fazer aquilo em uma boate, pelo menos não sóbrios. Com o tempo, os três foram encontrando o resto da turma e logo já estavam todos bêbados, o que rendeu uma grande noite de loucuras.

Já havia amanhecido quando a boate fechou as portas, e Thomas e seus amigos estavam jogados na calçada naquela manhã fria de domingo. Aquele frio até que despertou todos eles da ressaca que mais cedo ou mais tarde iria vir. Pouco a pouco a galera foi se dispersando, restando ali somente Eduardo e Thomas, já eram oito da manhã.

— Tá, agora eu vou mesmo. – Eduardo tropeçava nas próprias palavras. – vou chamar um táxi.

— Tá louco? – Thomas interveio em protesto – Eu não tenho um carro desse pra sair dando passeio de táxi, vem.

— Com você bêbado desse jeito? Vai matar nós dois.

— Larga de frescura, entra nesse carro.

— Tommy, eu posso estar bêbado, mas não o suficiente pra isso. Se você quiser entrar nesse carro e fazer alguma burrada, fique a vontade, eu vou andando mesmo.

Eduardo então se levantou e virou as costas, deixando Thomas sozinho.

— Te vejo mais tarde então?

— Claro, se eu não morrer de ressaca até de noite.

Thomas sorriu e se levantou, se dirigindo a seu carro. Abriu a porta e colocou a chave na ignição – não estava tão bêbado afinal de contas, Eduardo que era o fraco nas bebidas. Deu partida e arrancou, dessa vez mais devagar do que na noite anterior, ele até pelo menos um pouco de juízo.

Mas nem todo o juízo do mundo poderia lhe preparar para o que estava por vir.

Ao chegar em uma longa e vazia avenida, Thomas se deixou levar pelo cansaço. Foi um cochilo de um segundo, mas foi o suficiente para que aquele desastre pudesse acontecer. Ao avançar um sinal vermelho, Thomas ultrapassou a faixa de pedestre, e acordou bem a tempo de ver uma criança avançar para atravessar a rua. Em um golpe de reflexo, Thomas girou o volante com força, e por um raspão desviou da criança, que caiu com o vento produzido pela alta velocidade do carro naquele instante. Descontrolado, Thomas derrapou na pista, girando o carro duas vezes antes de finalmente bater contra um poste, destroçando seu para-brisa em mil pedaços, enquanto ele mesmo – por um defeito no Airbag, que só se ativou segundos depois do impacto – bateu com toda força sua cabeça no volante e sentiu algo frio em sua barriga perdendo assim a consciência.

Mas esse estado desacordado durou apenas alguns segundos, e os olhos de Thomas já se abriam com dificuldade. O Airbag, ativado com atraso, empurrava seu corpo para trás, aumentando ainda mais a dificuldade que o rapaz encontrava em abrir a porta e sair daquele carro antes que algo pior pudesse acontecer. Um pedaço de ferragem por pouco não lhe perfurava o estômago, provavelmente isso que ele havia sentido. Empurrou com toda a força a ferragem para o lado e conseguiu abrir a porta, desabando do lado de fora. Com a visão turva, Thomas se levantou e, passo a passo, foi se afastando do carro, cambaleando pra lá pra cá. Fisicamente, ele parecia bem, sem machucados visíveis além de um pouco de sangue que escorria de sua testa manchando sua camisa. Mas não era consigo que ele estava preocupado. Apenas uma coisa passava pela sua cabeça: o garoto. Onde ele estava? Será que estava bem? Thomas olhou por todos os lados, mas não o via em lugar nenhum, provavelmente ele havia corrido com medo. De longe ele só viu uma garota bonita, de vestido preto curto correndo em sua direção com os sapatos na sua mão, gritando seu nome. O garoto havia mesmo fugido. Ou estava preso nas ferragens entre carro e o poste, Thomas realmente não sabia.

Mas não teve tempo de conferir, sua ferida na cabeça doía, e muito, a corrente de sangue aumentava e sua visão escurecia. Em segundos ele já estava de joelhos e em sequência caiu no chão com o rosto para o lado, e foi então que ele viu aquele corpinho na sua frente. Estirado no chão e com a roupa coberta em sangue, estava o garoto que ele tinha certeza que havia se desviado, ele não se mexia e parecia bem ferido. Talvez até estava morto. Thomas matara um pequeno garotinho.

E com esse pensamento na cabeça, ele por fim perdeu a consciência.


Os Três Sinais VermelhosOnde histórias criam vida. Descubra agora