PRÓLOGO

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RODOLFO

Não entendia como meus colegas de turma podiam comemorar o período das férias, elas eram horríveis. Aqueles dias em Coari não foram diferentes, na grande e famosa fazenda Franco, vivia os piores momentos da minha vida, só esperava que tudo acabasse logo e, que estando envolvido em seus negócios na prefeitura, ele parasse de nos machucar. Vá embora, por favor, vá embora! Não suporto mais isso! Suplicava em minha mente, tapando os ouvidos com força e balançando o corpo enquanto lágrimas grossas escorriam. No entanto, esse era seu passatempo favorito e, como todas as vezes, essa sessão de tortura estava longe de terminar.

Lembro-me de estar debaixo da cama, tremendo na presença das paredes do local e mesmo assim podia escutar os gritos de dor da mamãe. A ideia de fugir só resultou em roupas espalhadas pelo quarto e móveis quebrados, minha sugestão foi absurda e dei falsas esperanças a ela. Agora ele nos castigaria por isso, embora somente eu fosse o culpado. Ele estava descontando nela tudo que era para mim, não se saciava nunca. Era assim todas vezes que Iracema tomava partido da situação e me esgueirava em suas saias. Só que agora já era detentor de um grande olho roxo e temia reagir, o trauma da última agressão ainda era vivo. Depois de mais ou menos uma hora, os gritos cessaram e então sai debaixo da cama.

Adentrei o quarto pisando na ponta dos pés, enxergando bem com um olho e ruim com o outro. Tremia o corpo inteiro quando olhei em volta: o monstro não estava. Meu pai.

— Mamãe... – perguntei com a voz falha, chocado com sua imagem e cheio de medo.

— Filho, meu filho... – seu rosto parecia desfigurado e o grito ficou preso na minha garganta, sua boca sangrava e talvez tivesse perdido outro dente.

— Mamãe... – acariciei seu rosto, me prostrando em sua frente e lágrimas desciam por minhas bochechas, endureci os punhos com raiva, mas soube que era fraco demais ainda.

— Moleque desgraçado! Por que saiu do quarto?! – Meu pai gritou da porta.

— Não! Ele não fez nada, Aurélio, ele não fez... – ela tentava me proteger de sua fúria.

— Cale essa boca, vadia traidora! Te tirei daquela vida miserável, te tratei igual uma rainha e assim que me paga... Pariu esse frouxo! – Grudou em mim e arremessou-me para longe dela. — Seu fedelho de merda, mariquinha! Vou te dar a maior coça da sua vida para ver se vira macho de verdade e para de dar ideias à meretriz da sua mamãe!

— Não fale assim com ele! Fuja, Rodolfo... Fuja! – minha mãe grudou nas barras de suas calças enquanto suplicava para mim, estava em transe, dividido entre o fraqueza e a coragem.

— Cala essa boca! – deu um murro em seu rosto já ferido, a fazendo cuspir sangue.

Passei como um vulto pela porta a tempo de vê-la cair ao chão, corri como um louco descendo as escadas do casarão e pressentindo que logo ele estaria em meu encalço.

— Vai pelos fundos, patrãozinho! - a cozinheira me guiou com os olhos esbugalhados, sabia que ela pagaria caro por essa ousadia, mas nem mesmo minha mãe podia defender.

Os berros ecoavam na memória e o tapa forte que levei no rosto queimava. Desnorteado, corri pelo campo e me embrenhei na plantação de bananas próximas das casas de alguns moradores. O trovão poderoso anunciou a iminência da chuva, meu coração batia acelerado e tremia. Limpei as lágrimas com o dorso das mãos me sentindo impotente, mas não podia com ele e não conseguiria salvar minha mãe da sua autoridade. Ele era dono de tudo em Coari, como prefeito, era ele quem ditava as regras e mandava em quem queria junto ao delegado da cidade, éramos fantoches em suas mãos, não suportava mais essa vida, achava que só vim nela para sofrer.

DOCE TERNURA • DISPONÍVEL COMPLETO NA AMAZONOnde histórias criam vida. Descubra agora