MARIA LARA
Desço as escadas com um balde com pano e um rodo. Na casa grande há muito silêncio, nenhum hóspede, mas tudo em ordem. A recente morte de Aurélio se tornou o assunto mais comentado entre os coarienses, principalmente por não saberem o que esperar da nova gestão dos negócios da fazenda que mais gerava empregos por ali. Apanho o porta-retratos e vejo Rodolfo menino, as lembranças eram poucas, mas bem mantidas no coração. Seu sorriso doce e olhar triste, os gestos delicados e a voz suave parecem tão distantes que mais se assemelham a sonhos ou flashes. Ele que te ajudou a nascer. Recordava das palavras de mamãe cheias de carinho com ele ao servir uma cuia generosa de cupuaçu. Naquele tempo minha paz parecia inabalável, mas tudo começou a mudar quando Rodolfo foi e nunca mais voltou, nossas cartas não eram respondidas, tampouco os dois telefonemas que ousei fazer no orelhão da cidade foram atendidos. Uma simples máquina, na fábrica de fundição que meus pais trabalhavam, deixou feridos e matou diversos funcionários, entre eles meu pai. Emanuel não teve direito a um enterro digno e minha mãe padeceu com o descrédito dos empresários que ignoraram tragédia. Florência lutou muito, sei que mais por mim do que por ela, mas às vezes guerrear com a vida não é o bastante e ela passa por cima da gente. A amava como amei meu pai, que sempre nos protegeu e nos apoiou. Foi um baque perde-los, aos dez anos de idade fiquei completamente desamparada, não recebi uma indenização sequer e todas as denúncias foram abafadas. Chorei em seu velório até meu peito doer e nesse mesmo dia meus tios chegaram dizendo que eram os responsáveis mais próximos de mim. Receava ir para um abrigo, estremecia somente com os rumores que circulavam a respeito, e me resignei acompanha-los. Bem como toda exploração que me esperava.
— Boraimbora, Larinha! – Kauane diz toda embonecada para sair com o namorado novo. — Vais ficar alisando essa casa a noite inteira? – põe as mãos na cintura enquanto torço a barra molhada do vestido gasto que uso.
— O batente lá de casa ainda vai começar. – Suspiro exausta, imaginando a pilha de louça que meus primos devem ter deixado, pois passavam a tarde toda à beira da TV.
Todo final de mês era uma alegria para mim, a pequena parte que retirava às escondidas do meu salário completaria meus planos de um dia ir embora dali. As supostas roupas que minha tia Delfina pegava para lavar dos vizinhos, sobravam para mim aos finais de semana. Enquanto isso, ela passava a tarde toda assistindo novela ou alegando o quanto deveria ser grata por sua benevolência em me dar de comer. Quando enfim o pagamento pelo serviço chegava, não via a cor de um vintém e, mais uma vez, abaixava a cabeça por estar sob seu teto. No entanto, estava farta e, se fosse para sofrer, que fosse atrás dos meus sonhos.
— Tomara que o Joel não venha requenguelo para irmos à feira, sabe como minhas primas adoram fofocar e maldar meus namoros. – Minha colega reclama fazendo tromba e batendo o pé. Ela era cheia de personalidade e provocava muitas risadas com essa postura, logo me despedi dela e respirei fundo para chegar em casa.
Caminho por cerca de quatro quilômetros como todos os dias, mas desta vez meu chinelo arrebenta e preciso andar a pé na terra quente. Naquele fim de tarde minhas costas doíam de exaustão, precisava mudar minha vida. Mesmo com os olhos murchos, vejo de longe uma caminhonete parada próxima da cerca da casa e, mesmo sem saber de quem se trata, acabo ficando tensa.
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DOCE TERNURA • DISPONÍVEL COMPLETO NA AMAZON
RomantikAnteriormente, esta obra possuía o título de "PROPRIEDADE" Um romance intenso, de passado e presente, um amor capaz de superar barreiras. • OBRA REGISTRADA NA BIBLIOTECA NACIONAL. PLÁGIO É CRIME!