RODOLFO
Mesmo menino algo parecia estranho, não que levasse uma vida saudável ou normal, mas naquele dia algo parecia mais estranho que o habitual. Os olhos de mamãe estavam murchos, isso pela surra de dois dias atrás e por algo que não consegui decifrar na época. As viagens para Minas Gerais nos deixaram ainda mais isolados, sufocados pela presença de papai que acabara de deixar a prefeitura em Coari e suas ameaças. A cidade que estávamos era nova e não tínhamos autorização para conhecer ninguém, ele nos advertia sobre qualquer passo em falso e, com pavor, obedecíamos. Éramos inúteis, descartáveis e troféus que deveriam servir de alguma coisa, assim Aurélio costumava dizer enquanto nos levava para mais um evento de gente chique que dali por diante se tornaria frequente. As pessoas exibiam sorrisos forçados e roupas bonitas, conversavam na companhia de uma taça de champanhe e apertavam minha bochecha machucada, porém coberta por maquiagem que mamãe tratou de fazer.
— Você sempre foi forte.... Não puxou a mim. – Iracema disse como se fosse um consolo ao fechar os olhos com força, ela parecia dividida, estava sofrendo. Mais tarde entenderia que só sofre por algo que você já decidiu e não pela indecisão em si. Uma escolha significa uma renúncia, e ela havia renunciado a mim. Devia ter me avisado antes, talvez tivesse me preparado um pouco. — Não permita que ele te corrompa, mas não o enfrente. Você não pertence a ele. – Beijou minha testa, ela se despedia, mas eu já a tinha perdido há muito tempo, então apenas fizemos as cerimônias necessárias.
— Por que, por que está me falando isso, mamãe? – balbuciei e engoli em seco.
— Saia do quarto, me deixe sozinha, por favor. Eu te amo, isso também é por você.
De noite foi um fuzuê na mansão. Meu pai gritava irritado enquanto bebia, os empregados corriam pela casa desesperados, ninguém me disse nada, mas eu soube.
— Rodolfo! – Margarida colocou as mãos em meus ombros. — Venha, querido, eu vou cuidar de você! – Prometeu com seus olhos ternos, mas dessa vez não chorei.
Iracema se matou. Sua ausência antecedeu meu aniversário e depois que ela se foi tudo piorou. Fui um garoto briguento e retraído com as garotas, os estudos eram um objetivo fixo e obrigatório, sempre tentando agradar um homem que apenas me jogou migalhas.
Todos estão sobre ela, Margarida afasta os cabelos de Maria Lara e sua pele está lívida, nem mesmo o sol evidente que tomou pela vida difícil que leva lhe permite uma coloração sadia. Sua juventude e beleza estão atrás do sofrimento que carrega, ela parece fraca e infinitamente frágil, sua luz está apagada e temo que ela também me deixe. Não, Deus!
— Saiam! – Brado caindo em mim e me prostrando ao chão para trazer seu corpo pequeno até o sofá, ela está desfalecida, olho para todos de forma felina como se fossem culpados por seu estado. — Ela comeu? – indago Lúcio quase berrando, aflito com o estado dela.
— Quase nada, o avião não a fez bem. – Ele diz firme, embora esteja tenso.
— Já chamei o médico, ele está a caminho. – Margarida informa preocupada enquanto carrego Maria Lara até o quarto que mandei que preparassem.
Em meio a todos os travesseiros da grande cama do quarto que mandei decorar, Lara parecia ainda mais sensível. Sua sonolência me angustia me fazendo decidir estar ao seu lado até que o atendimento chegue. Sem saber como reagir e na presença de meus empregados, basta apenas um olhar até que eles se deem conta de que já não são bem-vindos ali. A sós e inquieto, apanho a mão de Lara, tão menor que a minha, mas com a palma bastante calejada e cheia de linhas. Eles não cuidaram dela... Reflito com amargura não só pelos seus tios como por minha ausência e fraqueza por tanto tempo.
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DOCE TERNURA • DISPONÍVEL COMPLETO NA AMAZON
RomanceAnteriormente, esta obra possuía o título de "PROPRIEDADE" Um romance intenso, de passado e presente, um amor capaz de superar barreiras. • OBRA REGISTRADA NA BIBLIOTECA NACIONAL. PLÁGIO É CRIME!