I- Diferença Cultural

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Eu não acredito que estão fazendo isso comigo. Parada ao lado de uma arara para roupas lotada apenas com vestidos de noiva, observo minha futura sogra esvoaçar em torno de minha mãe, que parece em dúvida sobre repeli-la ou inclinar o torso em uma reverência, como já parece tão comum para nossa família.

— Não, não, talvez algo mais recatado para Júlia fosse melhor — diz a matriarca Tanaka, direcionando mamãe, que me lança uma olhadela atônita, até outra seção da loja.

Ainda estou me perguntando como vim parar aqui, em uma nada agradável tarde de compras com essas duas.

Tudo corria bem até um ano atrás: meu ano na universidade de Brasília cursando um mestrado em Direito estava bem satisfatório, mesmo que minha cidade natal em Santa Catarina, Pomerode, estivesse longe; ao menos eu podia visitar meu irmão Matheus a cada dois meses em São Paulo. Meus pais estavam livres de nós dois para praticarem seu hobbie predileto, a jardinagem, durante o tempo que quisessem sem filhos para atrapalhar. Não que eles não nos amassem, mas é uma liberdade a qual não possuíam há tempos, afinal, tanto por causa do trabalho como pelos filhos — e mamãe ainda se preocupava como Teteú estava se virando com a sua paralisia das pregas vocais. Ele parece estar mais do que bem, no entanto.

Por que não esquecer amores passados e ainda dar uma folga nos estudos entre uma prova e outra, eu havia pensado. Quando Akira — um dos melhores amigos que fiz na faculdade — convidou-me para ir a um jantar no clube da colônia japonesa local, acompanhado de seus avós, já bem idosos e igualmente encantadores, não pensei duas vezes.

— Júlia-chan, venha cá, por favor — chama a Sra. Tanaka, a que aparentemente virou minha sogra de um ano para cá, estendendo um vestido branco muito longo, com alguns bordados estranhos em dourado na barra e nas mangas compridas.

Eu nunca imaginaria onde estava me metendo: sempre achei a cultura japonesa incrível, apesar de meus conhecimentos se limitarem a animes, curta metragens do estúdio Gibli e os pratos deliciosos preparados pela avó de Akira. Quando conheci Ryota naquele jantar, seu sorriso de lado e um quê de arrogância, atribuí sua atitude à diferença cultural existente entre Brasil e o país do Sol Nascente — ele viveu no Japão até os doze anos, afinal —, e não dei muita atenção aos alertas de meu amigo.

Quem disse que Júlia tinha amadurecido? Ah é, eu mesma.

— Talvez se fechássemos o decote alguns centímetros — a mãe de Ryota gesticula para o vestido — Poderia dar certo. O que você acha, Júlia-chan?

Em japonês, o sufixo chan é para meninas pequenas, então só existe uma conclusão possível: ela insiste em me tratar como criança. Ou como inferior. Nem imagino se não tivesse ainda um quê de descendência japonesa; provavelmente eu não existiria para a matriarca Tanaka (pelo menos estaria livre a esta altura, penso).

— Júlia — ralha mamãe — tenha a decência de responder a senhora Tanaka, por favor.

— Ah! — exclamo, num sobressalto — Vocês não acham esse vestido meio... Antiquado? Nós podemos procurar outro, o noivado nem foi marcado ainda — graças aos céus.

— É mesmo, filha. Fique calma, nós vamos encontrar o vestido perfeito — ela me tranquiliza, apoiando a mão em meu braço — Se é que precisaremos dele — sussurra, levantando as sobrancelhas.

— Espero que seja logo — minha futura sogra diz de forma delicada, mas com dureza no olhar — Parentes de Japão precisam saber a data casamento logo, logo.

***

— Júlia, isso é loucura! — exclama Akira, me fazendo afastar o celular da orelha.

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