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- Você se apaixonou por um humano? - minha mãe pergunta sentando-se na minha penteadeira.

- Mamãe, não tive culpa, apenas aconteceu! - Falo e bato minhas nadadeiras de um lado para o outro no quarto, fazendo bolas subirem com meu nervosismo.

- Marie, você sabe que iremos para o norte no solstício de inverno, não ficaremos seguras aqui, o inverno é rigoroso demais! - Eu sei, fazíamos como os pássaros e todo outono nós íamos para o norte onde ainda era primavera, regressamos quando o inverno no sul passa. - Seu pai não aprovará isso.

- Eu sei! Esse é o último ano de Kelvin no colégio, ano que vem ele não estará mais aqui. Eu não irei vê-lo quando voltarmos, mamãe. - Minhas lágrimas descem instantaneamente. Minha mãe levanta-se e nada até mim para me abraçar.

- O amor nem sempre significa ficar junto, mas continuar amando à distância, querida. - Consola, mas eu não quero isso. Quero ficar para sempre com Kelvin.

- Só tenho uma oportunidade para vê-lo novamente por um tempo maior... - É tão complicado para uma sereia amar, e quando acontece eu não posso viver esse amor.

- Qual? - Ela pergunta animando-se, porém eu entendo que seria improvável que fosse possível. Já tenho muita sorte ter o conhecido.

- O baile de outono do colégio dele.

- Mas você não pode ir com sua cauda! - Comenta o óbvio e eu concordo. - Seu pai não transforma alguém há anos... O Kelvin não poderia se...

Eu entendo que ela está dando a entender. Contudo, eu nunca pediria ao Kelvin para largar sua família e seu sonho de fazer faculdade para viver para sempre no mar comigo. Nesse caso, eu prefero distanciar-me.

- Eu não o obrigaria à isso, o amor que sinto por ele me proíbe! - Digo. - Mas será que se eu falasse com o papai, talvez, por uma noite.

- O máximo que você ganhará será um "não". - Ela sorri para mim e encara-me com seus olhos verdes carinhosos. Encaro-a de volta, suas bochechas coradas naturalmente, seus lábios fininhos, nariz pontudo e seus cabelos loiros e ondulados. Eu sou uma cópia fiel de minha mãe.

- Obrigada, mãe! Vou conversar com o senhor Hank ainda hoje.

🏄🐚🏄🐚

Kelvin é um surfista nato, ele faria faculdade de ciências naturais, mas não largaria o mar. Nós nos conhecemos por acaso. Meu pai tinha discutido comigo por eu ter passado dos limites da cidade onde vivemos. Eu só havia feito isso por ter encontrado lindos tubarões brancos que eram dócios, no entanto para meu pai era um perigo! Irritada fui para costa e fiquei bem no raso da praia, deixando somente minha cauda molhar-se.

Ouvi alguém aproximar-se e tentei voltar ao mar rapidamente, porém ele foi mais rápido. Veio correndo com sua prancha e seguiu-me nadando até o fundo. Não deu para me esconder dele, acabei tento que contar meu segredo. Ele passou a visitar-me durante dias seguidos e foi inevitável não cair de amores por aquele sorriso e cabelos bagunçados.

Sorrio só de lembrar do nosso primeiro beijo, mas meu sorriso some quando chego ao corredor do quarto dos meus pais. Bato na porta e espero, em segundos sua voz soa, mandando-me entrar.

Entro e encolho-me na porta atrás de mim. Meu pai ergue seus olhos e olha-me por debaixo dos óculos de armação quadrada.

- Oi pai - aceno de longe e ele faz um movimento com a mão pedindo que eu me aproxime de sua cama.

- O que foi, querida? Algum problema com seus irmãos? - Ele pergunta com uma expressão preocupada.

- Não, Nico e Audrey estão cuidando das águas e dos cavalos marinhos. - Conto e ele sorri, relaxando os ombros. - Eu é quem queria falar com o senhor.

- Fale.

- Eu quero ser humana por uma noite. - Solto de uma vez.

- Mas... Filha, por que disso agora? - Ele pergunta levantando-se.

- Eu conheci um garoto. - Revelo de cabeça baixa, meu pai chega até mim e obriga-me à erguer meus olhos e olhar nos seus. - Ele me convidou para um baile, e que vai acontecer em um salão à beira-mar.

- Você sabe que não é muito aceito! - Ele diz, o que não impede que eu queira.

- Mas é só uma noite, papai. Depois disso eu nunca mais o verei, nós vamos para o norte e ele para universidade. Só quero por uma noite saber o que é ter pernas! - Falo segurando seu olhar. Ele me olha atentamente e diz:

- Sua avó era uma humana. - Meus olhos arregalam-se e eu tento associar essa informação. - Meu pai encantou-se por ela e a amou acima de tudo, ela da mesma forma, tanto que desistiu de tudo por ele. Eu sei muitas coisas sobre os humanos, querida. Não digo que tudo que vêm deles é bom, mas existem sim as coisas boas e eu nunca impediria um filho meu de conhecê-las.

- Então, eu vou poder ir? - Pergunto com lágrimas nos olhos. Ele passa as mãos com membranas nas minhas bochechas e assente.

- Quero somente que me prometa que voltará doze horas após eu transforma-la! Caso sua cauda, ou melhor, suas pernas não entrem em contato com a água, você será humana para sempre, e eu não quero perder minha caçula. - Ele fala sorrindo e afagando meu cabelo.

- Farei como o senhor quiser, papai. Só quero um tempo com o Kelvin antes de termos que partir. - Olho para longe já pensando em ir à noite falar que eu aceitaria seu convite.

- Então esse é o nome do humano que conquistou minha filha? Bom saber, qualquer coisa mando um tubarão martelo lhe arrancar a perna.

- Papai! - Sorrio com ele. - Eu já vou, a noite está caindo.

- Vá, depois desse baile quero que me conte como é ter pernas como sua avó!

- Claro que contarei!

🏄🐚🏄🐚

Marie - A Cinderela Das ÁguasOnde histórias criam vida. Descubra agora