Capítulo 2

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Havia acordado bem cedo naquele dia, levantou-se e abriu a janela para contemplar o sol paulistano por entre os prédios. A maior cidade do país. São Paulo sempre foi uma cidade muito interessante e agitada. Cheia de empresários, estudantes e pessoas com uma esperança de uma vida melhor.

Muitas vinham para SP em busca de um trabalho digno e uma boa condição de vida. Porém poucas conseguem, a maioria desiste no meio do caminho, "não é uma cidade para fracos e muito menos sonhadores, é uma cidade de pessoas com os pés muito bem firmados no chão", foi o que o padrinho lhe disse quando ela decidiu que iria terminar os estudos em SP. A sua decisão levantou diversas preocupações por parte tanto do padrinho como de Miguel. Nenhum dos dois queria aceitar que ela iria estudar na cidade grande.

Do ponto de vista do seu padrinho, o melhor para ela era permanecer no vilarejo, que sempre foi um lugar calmo, onde ela estaria rodeada de pessoas boas e de confiança, sem falar que estaria sobre as vistas dele.

Miguel pensava diferente. Como ele estava em Londres, achava que seria uma boa idéia ela morar lá, conhecer novas pessoas uma nova cultura e aprender um novo idioma, afirmava que seria bom para ela intelectualmente. No final acabou conseguindo persuadir o pai a ficar do seu lado e ajudá-lo a convencer de que seria o melhor para ela.

Mas não teve jeito. Aisó sempre foi decidida, responsável e apesar da pouca idade, incrivelmente independente. Já havia decidido onde ia estudar, eles podiam argumentar o quanto quisessem, não iriam faze-la mudar de idéia. Completou os três anos do ensino médio com sucesso. E tinha um ano pra decidir o que iria fazer em diante.

--- Miguel pode ir indo na frente eu vou tomar um banho rápido e depois eu vou, tá?

--- Tá bom. Só não demora, sabe o quanto aquelas pessoas estão com saudade de você. Se você não aparecer estaremos correndo risco de morte. – disse no seu peculiar tom brincalhão.

--- Eu sei, não vou deixar matarem você.

Ela entrou no quarto e se jogou sobre a cama arrumada recheada com os seus ursinhos de pelúcia. Fechou os olhos e pensou. Todos continuavam do mesmo jeito. Completamente diferentes das pessoas da cidade. A maioria é fria, ambiciosa só se nota maldade em seus olhos. Como era difícil ter que conviver com esse tipo de pessoas. Mas agora era diferente estava com seus amigos e família. Cercada de pessoas que a amavam.

Levantou-se  tirou a roupa e foi correndo para o chuveiro. Naquela hora nada podia ser mais relaxante que o barulho da água caindo do chuveiro, rapidamente se dirigiu para debaixo dela, sentir a água gelada descer pelo seu corpo e relaxar cada músculo, sempre gostou de um banho bem gelado no fim da noite. Como sempre ela não se deu conta do tempo que lá estava. Quando percebeu já havia demorado mais do que o esperado. Desligou o chuveiro, pegou a toalha e se envolveu nela. Caminhou até o seu grande espelho.

Aisó sempre fora bela. Uma beleza notável e bastante cativante. Descendente de índios tinha um belo cabelo de tom preto bem escuro, ondulado. Sua cor era morena, em um tom mais puxado para o claro, sempre mantivera um belo corpo. Com dezoito anos já poderia se dizer que possuía formas de mulher. Porém, com certeza suas características mais cativantes não eram físicas. Apesar de jovem ela sempre teve uma personalidade muito forte. Muito doce e amável, tinha a capacidade iniciar uma boa conversa com pessoas de qualquer idade.

Mais certamente o que sempre lhe atraiu muita atenção, era a força de defender tudo em que acreditava e gostava. Desde pequena sempre foi ensinada a respeitar a natureza, tinha um amor pelos animais e pelas plantas além do normal. Sempre que via alguém de alguma forma degradando a natureza, criticava e expunha o seu erro, o que sempre lhe metia em grandes encrencas. Os adjetivos que lhe melhor descrevia era humildade e determinação.  Vestiu-se e caminhou em direção a festa.

Quando entrou na sala notou que todos estavam muito animados. A maioria das pessoas que viviam no vilarejo eram descendentes de aldeias indígenas próximas. O Amazonas é um dos poucos estados brasileiros que ainda preservam alguma aliança com esses povos. Mais do que estátuas em cidades ou nomes e palavras, é muito comum no Norte do Brasil encontrarmos elementos claros dos povos indígenas.

--- Olha o que o gato trouxe...- Aisó virou-se e deu de cara com aquela que era sua melhor amiga desde que era criança. Correu até ela e a abraçou bem forte.

--- Meu Deus, Elena! Que saudade!

--- Eu sei, também senti muito sua falta. Esse vilarejo é muito chato sem você. Tenho que certeza que agora que você voltou isso aqui vai mudar muito.- disse Elena com uma expressão debochada.

--- Até parece, eu imagino que você nem tenha sentido tanto assim minha falta. Se bem sei você ficou em muita boa companhia.

--- Ah se você soubesse... Mais deixa que depois de atualizo de tudo, vamos ter tempo.- durante um tempo olharam-se afetuosamente e depois riram. Foram interrompidas pelo ultimo componente do apelidado "quarteto dos infernos".  Durante toda infância sempre estiveram unidos: Miguel, Aisó, Elena e Cauã. Onde achasse um os outros três também estariam.

--- Posso atrapalhar a fofoca das moças?

Ele continuava o mesmo. Cauã era um dos mais respeitados homens do povoado, era conhecido por todos pela determinação e por o quanto era batalhador. Referência de todos os meninos de Emarã. Tinha a mesma idade de Miguel, de quem era o melhor amigo. Atraía a muitas mulheres pela sua boa aparência e personalidade bem humorada. Dentre essas mulheres estava Elena. Não que ele realmente prestasse atenção nisso.

--- Já atrapalhou...-disse Elena brincalhona.

--- Cauã, como senti falta desse seu jeito implicante. Em São Paulo não encontramos pestes como você.- Aisó era sincera, amava-o muito. Sempre o viu como um irmão mais velho.

--- Tenho certeza que em algum lugar aí tem um elogio... Hey, e meu abraço? Na cidade grande as pessoas não se abraçam?

--- Mais é claro que sim! Vem cá, seu chato. - abraçaram-se durante longos segundos.

--- Eu realmente senti falta de vocês.- disse Aisó olhando pros seus amigos de toda a vida. ---Mais agora me digam, como está tudo por aqui. Quero saber tudo. - imediatamente as expressões mudaram. 

--- Hoje é um dia de festa, Isi. Depois a gente conversa, tem muitas coisas que você precisa saber, mais agora não é a hora.

Seus extintos lhe diziam que algo estava errado, seus amigos nunca foram de procrastinar as coisas. Mais o que poderia acontecer de tão grave em um pequeno vilarejo? Nunca tiveram problema nenhum. Desde criança sempre admirou como todos eram unidos. Emarã parecia um pedaço do paraíso, completamente imune aos males do mundo exterior.

--- Eu quero saber o que de tão mau está acontecendo, nunca vi vocês com essas expressões. Eu passei muito tempo longe daqui,  mais isso não muda o que eu sinto. Essa é minha casa e se algo está errado eu tenho o direito de saber. Vocês vão me contar. E agora mesmo. - falou de maneira direta e firme. Elena e Cauã entreolharam-se tensos, como se estivessem receosos de dizer alguma coisa.  Nesse momento Aisó percebeu que algo estava errado, e algo muito grave...



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