Capítulo 1

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Era sábado de manhã quando ele chegou, bem quieto, quase não deu para notar, mas quando eu percebi já era tarde. O ceifador havia chegado até a minha família.
Eu juro que tentei fazer o possível para impedir o pior, mas foi em vão. Golpe após golpe ele levou todos, bem na minha frente, como se quisesse zombar da minha cara e da minha incapacidade de proteger aqueles que amo.
Acho que você não está entendendo muito bem, deixe-me explicar melhor, primeiro vamos para o começo de tudo.
Era sábado de manhã, e apesar de ser sábado - o glorioso e esperado dia de descanso - eu estava de pé as 7:27 da manhã, como um zombie fiquei vagando pela casa até chegar a cozinha e decidir prepara um café.
Sentei-me na varanda de casa com uma xícara quente e cheia de chá, sim eu havia feito o café, mas não era pra mim. Observei meu antigo vizinho, o senhor Leontino, sair para fazer a sua caminhada matinal para manter a boa forma. Estranhamente desta vez ele não estava sozinho, um homem alto e magro corria com ele.
No momento pensei que poderia ser um neto ou filho indo visita-lo, após a morte de sua esposa, o senhor Leontino passou a receber muitas visitas de parentes e amigos como uma forma de consolo pela sua perda.
Os dois corriam lado a lado, mas não conversavam, sequer trocavam olhares eram como totais estranhos. Apesar de estar desconfiada voltei para dentro.
Esbarrei com a minha mãe na cozinha, ela já havia pego o café que eu havia feito e comia uma de suas torradas light, que tem um gosto horrível e nada apetitoso. Conversamos um pouco e eu comentei sobre o "amigo" do nosso vizinho - fato que a minha mãe achou estranho, já que eu raramente comentava sobre as minhas observações a vida alheia.
Perto do almoço a campainha começou a tocar e sobrou para mim abrir a porta, inesperadamente era o "amigo" do meu vizinho.
- Pois não? - perguntei.
- Boa tarde! - comprimento ele - o meu avô disse que tem um restaurante que ele sempre pede a comida dele, mas ele não sabe aonde anotou o número, então eu queria saber se você sabe qual é o restaurante?
- Tem vários pela cidade, mas se me disser o nome fica mais fácil.
- Eu acho que é....
- Filha! - exclamou minha mãe interrompendo o rapaz - que falta de educação de sua parte! Rapaz, pode chame o senhor Leontino e venham almoçar com a gente.
- Não seria muito incomodo?
- Imagina! Venham, eu já vou servir. - disse a minha mãe, seguindo para a cozinha.
O rapaz voltou até a casa do senhor Leontino para chama-lo e eu fiquei esperando na varanda. Mas o rapaz voltou sozinho.
- O seu avô não vem?
- Ele disse que sentia enjôos por causa do remédio.
Eu apenas acenei com a cabeça e fomos para a cozinha. Quando a minha mãe notou que o senhor Leontino não estava fez a mesma pergunta, mas dessa vez a resposta foi diferente:
- Ele disse que estava sonolento por causa dos remédios e resolveu ir deitar. - respondeu o rapaz.
- Então teremos apenas um convidado para o almoço. - disse a minha mãe para a minha irmã, que colocava os pratos na mesa.
- Mas você não havia dito que ele se sentia enjoado? - perguntei.
- Eu acho que não - respondeu ele, me olhando serio como se fosse me esmagar - eu disse que ele estava com sono. Acho que você se confundido. - dessa vez ele abriu um leve sorriso amistoso.
- É, eu acho que sim - respondi, tentando devolver o sorriso.
Durante o almoço a minha mãe não parava de falar de como ela tinha filhas maravilhosas e coisas do tipo, eu fico feliz em saber que ela tem orgulho de mim e da minha irmã, mas eu acho que você não fica contando sobre isso para um estranho.
Infelizmente tive que acompanhar o rapaz até em casa, no caso do outro lado do terreno, o que dava uns duzentos metros, e devo dizer que foram os duzentos metros mais longos da minha vida.
- Você é uma grande dedo duro! - disse ele com a voz calma.
- O quê?! - perguntei brava.
- Você é uma dedo duro! Quase acabou com a minha mentira.
A cada palavra os nossos passos diminuíam e ele parecia mais assustador.
- Então era mentira!
- É claro que era! - respondeu ele, dessa vez com um tom arrogante - quer ver o que aconteceu com ele?
Notei que estávamos em frente a porta e a curiosidade falou mais alto.
- O que aconteceu?
- Entre e veja.
Eu abri a porta e a casa estava uma bagunça. A sala estava com o sofá caído e cacos de vidro por toda a parte, as cortinas tinham manchas de sangue e a cozinha também.
Senti muito medo naquela hora e tentei correr para fora, mas havia um homem alto e magro - que eu pensei ser fraco, mas foi um total engano, pois ele era muito forte - parado, bloqueando a minha saindo.
Ele me segurou em seus braços e tapou a minha boca. Por mais que eu me debatesse e tentasse fugir de seus braços, era em vão. Fui arrastada para o andar de cima, onde vi o senhor Leontino morto sobre sua cama.
A cena foi horrível e aterrorizante, nunca vi tanta brutalidade. Seu corpo estava esquartejado e a faca ainda estava ao lado do corpo, o cheiro de gasolina era forte.
Temi pela minha vida, as lagrimas escorriam pelo meu rosto sem nenhum controle. Fui jogada ao chão sobre uma enorme mancha de sangue, que ainda estava morno, e amordaçada pelo homem, que agora não possuía mais a aparência de um homem e sim uma figura alta e sem rosto, com uma foice em sua mão direita. Implorei pela minha vida até ser amordaçada e amarrada.
A figura horrenda apanhou um fosforo e colocou bem perto de meus olhos e depois lançou o mesmo sobre a gasolina. Logo o fogo se espalhou, e num ato desesperado me arrastei até o canto mais afastado das chamas na esperança de que elas não chegassem a mim. Inevitavelmente elas chegaram, primeiro consumiram as minhas pernas e logo se espalharam pelo meu corpo. A dor era infernal e os meus gritos desesperados estavam abafados. Demorou uns 12 minutos para que eu morresse e parasse de gritar e me debater.
Quando achei que tudo tinha acabado fui acordada pelo som da minha xícara de chá caindo no chão.
"graças a Deus foi só um sonho" pensei, recolhendo os cacos de vidro do chão e observando o meu vizinho, o senhor Leontino saindo para correr, mas o mesmo homem estava lá!
Eu pensei em ir até ele, mas o que eu diria? Apenas corri para dentro e rezei para que aquele homem não tocasse a campainha, para que ele não perguntasse de restaurante nenhum, para que não viesse almoçar aqui, e que eu não tivesse que acompanha-lo.
Para o meu azar eu estava errada. Ele veio e tocou a campainha, disse as mesmas palavras que eu achei que diria e foi convidado para almoçar da mesma maneira que aconteceu. O almoço foi apavorante e ele não parava de me olhar.
Sai da mesa antes que minha mãe me pedisse para acompanha-lo isso foi um erro. Minha irmã foi e ela acabou morrendo queimada em meu lugar. O homem sumiu e nunca mais o vimos.
Me culpei pelo o que aconteceu durante anos, e tentei consolar a minha mãe e meu pai, o que foi difícil, até que um dia ele voltou em meus sonhos.

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