Capítulo 2

47 4 1
                                    

Passei a odiar os sábados de manhã já que era sábado quando ele apareceu em meus sonhos. Eu estava cochilando no sofá quando ele apareceu.
Alguém tocou a campainha e eu fui atender e me deparei com um garotinho de uns 9 anos parado em frente a porta. Ele disse que a bola dele caiu no telhado e perguntou se podia pegar, eu me ofereci para ajuda-lo, preocupada com sua segurança. Nós dois fomos para o segundo andar e saímos pela janela do sótão, andamos cuidadosamente sobre as telhas e quando eu alcancei a bola e me virei para entrega-la me deparei com a mesma figura horrenda de antes. O adorável garotinho frágil virou meu pior pesadelo e me jogou do telhado. Acordei caída no chão da sala.
- Filha? Você está bem? - perguntou minha mãe.
- Tô, eu só tive um pesadelo.
- Com a sua irmã?
Eu vi a vida sumir de seu rosto pela milésima vez e resolvi disfarçar. Resolvi contar o sonho para ela, mas sem contar que eu temia que aquilo acontecesse mesmo.
Passei o dia todo esperando a campainha tocar e o garotinho aparecer, eu o mandaria embora a qualquer custo e impediria que mais alguém morresse, mas a campainha não tocou o dia todo. Na manhã seguinte esperei o garotinho chegar, mas nada.
"Deve ter sido apenas um sonho mesmo. Se acalme que está tudo bem", era o que eu pensava comigo. A semana veio e passou e o garotinho não chegou.
Eu pensei que estava tudo bem, mas sábado a campainha tocou e por algum motivo não consegui me mexer, por isso minha mãe abriu a porta e o garoto estava lá.
Juro pela minha vida que eu quis levantar e fechar a porta, que eu quis avisar a minha mãe que ele era o ceifador, mas eu não me movia, não falava, apenas observei minha mãe subir as escadas com aquele pequeno diabinho. Eu os observei desesperadamente desejando que os meus músculos se movessem que a minha voz saísse, mas nada aconteceu.
O garotinho me deu uma última olhada com uma risada maléfica em seu rosto e subiu as escadas logo atrás da minha mãe. Eu tentei me levantar e acabei caindo, minhas pernas não me respondiam elas estavam completamente moles e minha voz ainda estava presa em minha garganta.
Rastejei até a escada e tentei subir e quando finalmente alcancei o topo ouvi um som, como um saco sendo jogado. Entrei em pânico e rastejei o mais rápido que pude. Tentei subir a escada que dava no sótão, mas o garotinho puxou a escada e ficou me olhando lá de cima, meu pai logo apareceu e perguntou o que fez tanto barulho.
Minha voz ainda estava presa, mas eu conseguia me levantar, pelo menos. Sai correndo e fui até o nosso quintal e me deparei com a minha mãe caída no chão com o pescoço quebrado.
Um grito desesperado saltou para fora de minha garganta e logo meu pai chegou. Ele caiu de joelhos ao lado do corpo ainda quente de minha mãe e chorou, um choro baixinho e angustiado demonstrando uma dor que a muito tempo era reprimida nas partes mais fundas de seu coração.
Eu quis dar apoio a ele, eu quis impedir a minha mãe de subir aquelas escadas, eu quis ter impedido que a minha irmã acompanhasse aquele homem até a casa do senhor Leontino, mas eu havia falhado.
Após o enterro de minha mãe passei a desconfiar de todos, até das sobras dos moveis. As coisas ficaram piores, meu pai era como um objeto inanimado que podia ser confundido com uma estátua. Ele havia perdido muito peso e estava com uma aparência horrível, parecia um desse dependentes químicos em tratamento.
Depois de 3 anos que a minha mãe havia morrido eu pensei que o ceifador logo voltaria e levaria o meu pai embora, mas não foi o que aconteceu.

O CeifadorOnde histórias criam vida. Descubra agora