Meu Amor Veloz

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– Não, meu amor. Vai mais devagar, vai? – me pediu fazendo biquinho e aquela expressão que, sabia muito bem ela, eu não poderia resistir. E além disso ousou pousar a mão em minha coxa, fazendo com que eu me sentisse esmagado contra a parede.

Clarisse nunca se importara tanto que eu voasse baixo sobre o asfalto em nossos passeios a carro contanto que eu nunca desviasse a atenção do meu trajeto, curvas e ladeiras, enquanto eu o fazia. A aceleração era a minha paixão. Me fazia sentir poderoso, sem limites. E Lisse amava me ver quebrar os limites. E por isso eu a amava também. Nosso primeiro encontro foi numa oficina, onde ela tentava explicar ao mecânico que não poderia pagar o conserto por um erro que ele mesmo tinha cometido e prejudicado ainda mais sua moto, que já estava prestes a ser nomeada de ferro velho, talvez o mecânico estivesse mesmo com a razão. Mas não me importei com isso. Apenas observei por um momento a visão que eu estava tendo, da mulher mais perfeita que eu já vira em toda minha vida. E tenha a certeza de que não estou exagerando. Seus lábios suaves e vermelhos, mesmo soltando impropérios contra o rapaz, me atraíram de uma forma tão intensa que se eu não tivesse um histórico abarrotado de mulheres, velhas, novas e putas, poderia dizer que era a primeira figura feminina que via. No auge de sua sensualidade rude e natural, seu cabelo negro despenteado e jogado para o lado esquerdo e um chapéu preto com brilho por cima e os olhos azuis contornados com pintura escura a tornava selvagem e intimidadora e apesar de toda essa potência ela sorriu para mim, meio sem graça, ao ver que eu observava a cena. Eu, para não deixa-la passar por desconforto, disse ao mecânico que pagaria o conserto. Depois, foram apenas alguns jantares e aventuras sexuais para que percebêssemos que não mais viveria um sem o outro. E a cada dia desde então ela se tornava meu ponto de partida e minha linha de chegada. Ah, como eu a amo.

– Lisse, sabe que não estou correndo. – eu retruquei, pegando sua mão de sobre minha perna e levando a minha boca, dando-lhe um leve beijo e voltei a olhar a estrada.

– Sei que não. Mas olha só – ela apontou para o para-brisas, para além dele e continuou – alguma vez já paramos pra aproveitar essa paisagem? Não. Sempre viemos por essa estrada mas eu nem sei dizer o que vamos ver na próxima curva: Uma árvore, uma montanha, um rio quem sabe... – ela desvencilhou sua mão da minha e passou em meus cabelos. – Sei que ama correr, mas só hoje, vamos descobrir o que há pelo caminho, hum?

Lógico que eu não poderia dizer não. Desacelerei bem devagar para que eu não sentisse de modo acentuado que fazia isso. Ela frouxou o cinto e se inclinando para mim beijou meu rosto dizendo "Eu te amo" voltando a se ajeitar na poltrona. O sol da tarde entrava pelo vidro dianteiro e banhava sua pele morena e o cabelo avoaçava com o vento que invadia o carro pela janela semiaberta. Isso daria uma boa foto.

Passamos a observar a estrada e tudo o que pudesse ser visto na linha do horizonte. Clarisse tinha razão. Era tudo tão lindo, tão verde e vivo. As arvores, os morros e alguns animais na beira da estrada ou em pastos refletiam nos olhos de Minha Mulher como a própria felicidade de viver, e o sorriso em seus lábios, como na primeira vez que nos vimos, fixaram minha atenção em si, como se eu estivesse sob hipnose ou algum encantamento. Sentia toda a emoção da cena me comovendo por dentro, sem poder explicar o que era aquilo que inflava em meu peito e parecia querer se libertar para fora de mim e encher o carro, as florestas e tambem o vácuo. Tudo isso transbordou, sem eu ter consciência. Apenas fluiu.

– Eu te amo. – eu disse, sentindo a pureza das palavras que dizia. Todas as vezes que eu lhe dissera que a amava, sem sombra de dúvida, foram todas verdadeiras, mas essa era diferente.

Ela olhou para mim, em meus olhos, e sorriu.

Só percebemos o som estridente da buzina de um caminhão momentos depois, quando então, olhamos assustados para a frente. Estávamos numa curva e ele vinha na contra mão em alta velocidade. Virei o carro para o acostamento e o motorista do outro veiculo virou na direção contrária, nos desviando um do outro. Aquilo tinha nos deixado atônitos. Sentia meu coração martelando meu pulmão e ouvia a respiração pesada de Lisse enquanto ela inspirava e expirava com força pela boca. Nos olhamos procurando aliviar o recente estresse através do outro. E por um erro meu, desgraçado eu sou!, inconscientemente eu pisava mais fundo no acelerador. Ouvimos um estouro. Clarisse soltou um breve e agudo grito. O carro se curvou para a esquerda e eu vi aterrorizado o chão se aproximar da janela. Cobri meu rosto com os braços e senti meu corpo se soltar da poltrona enquanto o teto já tocava o chão. Eu esquecera de ter colocado o sinto. Procurei com os olhos desesperados por Minha Mulher, que estava mais acima, em relação a mim, já que ela estava segura pelo cinto e se manteve sentada, ainda que de ponta cabeça. Eu só podia ver sua boca gritando pôs seus cabelos cobriam metade de sua face. Eu não queria vê-la assim, mas não podia tirar os olhos dela. E tal cena me feriu mais do que os estilhaços de vidro que voavam livre pelo interior do carro. Senti que ia chorar. Por ela. Não pelo meu antebraço esquerdo que eu pude ver já estar dobrado ao meio. Isso ainda não me causava dor. Mas sim ela. O teto do veículo já tocaria o chão pela quarta vez. Tentei, num momento de ingenuidade, toca-la, mas tudo o que eu senti foi um incômodo em minha nuca e apaguei...

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