Capítulo 2: Shimada

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"Sua empunhadura está fraca." Disse a encorpada voz do sensei Takezo, desviando o golpe com facilidade. "Seus pés estão errados. Você está ao menos lutando, koryu?"

O menino bem que tentou, mas não conseguiu evitar os tropeços por um ou dois passos. Não havia embaraço em seu rosto. Mas ele ofegava. Isso ele não conseguia disfarçar. "Seria covardia da minha parte usar toda a minha perícia contra um velho."

"Velho, é?" O sensei bufou um riso, apertando o cabo de sua boken. "Não confunda arrogância com auto-confiança, koryu. Não torne sua virtude em seu próprio veneno." Ele chegou até seu aluno com um só salto para frente. O golpe vertical foi bem defletido, jogando toda a sua força para o seu lado. O golpe ascendente de seu cotovelo, porém, atingiu o menino com força no estômago. A boken em seu pescoço poderia ter-lhe partido a espinha se o homem não tivesse contido sua força. Ichiro só se deu por si quando seu próprio pescoço estava sendo estrangulado pelo braço direito de Takezo. Ele bem que lutou bastante para se safar, mas acabou dando os três tapas no braço de seu oponente, sinalizando sua derrota.

Ichiro  recobrava o fôlego de quatro no tatame. A sombra de seu sensei pareceu se curvar. Ele olhou em volta e viu os homens de terno abrindo a porta e adentrando o salão. Por fim, adentrou o recinto o imponente Kaneda Shimada. Ichiro se recolheu e se pôs de joelhos, as mãos aparando a testa ao chão.

"Ora, por favor, não parem por mim. Podem continuar seu treinamento."

Takezo nem desfez sua reverência ao responder. "Perdões, Shimada-sama. Minha aula já estava no fim. Já estava por me despedir de Ichiro."

"Mas hoje estamos em uma ocasião muito especial! Seu irmão virá ao mundo hoje, Ichiro. Isto não é bom?"

O garoto, em seus não mais do que dez anos, mostrou certa confusão e hesitação, mas respondeu. "Fico muito feliz em saber disto, Shimada-sama."

"Pois então. O Clã Shimada ganha mais um guerreiro hoje! E para que os kamis abençoem a força em seus braços, quero que não haja pausa nas lutas de nosso dojô até que ele esteja entre nós."

"Com o devido respeito, Shimada-sama, Ichiro já está exausto pelo treino de hoje. Talvez seus seguranças possam cumprir o ritual..."

"De maneira alguma. Um verdadeiro Shimada jamais se cansaria com tão pouco. Não estou certo, Ichiro?"

O garoto retificou seu tronco inspirando fundo, permanecendo ainda de joelhos e ajeitando a boken à sua esquerda. Ele parecia não se incomodar com o suor que fazia seu rosto brilhar. "Sim, podemos continuar."

O treino prosseguiu por horas ainda. Ichiro estava longe de ser um espadachim excepcional. Sua resistência física também não era superior à de uma criança de sua idade. Mas seu espírito, ah, isso sim atraía e muito a admiração de seu sensei. Takezo notava como o cansaço já afetava seu pupilo. Como o peso de seus próprios braços enfraqueciam seus golpes, como o vazio de seus pulmões faziam seu peito inchar, como o suor em seus olhos diminuíam seus reflexos. Mas ainda assim, Ichiro não mostrava sinais de desistência ou rendição. Outras crianças pediriam às lágrimas por misericórdia ou ao menos por um intervalo de descanso. Não ele. Seu pai estava ali, assistido a tudo. Takezo também questionaria que tipo de pai submeteria o próprio filho a este tipo de tortura tão caprichosamente assim. Mas não caberia ao servo questionar o desígnio de seu senhor.

O ruído das bokens e kiais  só foram interrompidos quando um outro homem de terno entrou no dojô e falou algo ao ouvido de Kaneda. Takezo e Ichiro puderam parar finalmente por alguns segundos. Todos os músculos do garoto tremiam. Suas pernas mal pareciam conseguir andar, mas ainda assim ele foi até os aposentos de sua mãe. Lá ela estava, cercada pelos habituais homens de terno mas também acompanhada por várias moças. Médicas, enfermeiras, amigas mais próximas da esposa do todo-poderoso líder do clã Shimada. Sayuko Shimada estava deitada em sua cama, segurando um bebê envolto em mantas e cobertas. Ela sinalizou para que Ichiro se aproximasse. Só então ele notou que seu irmão dormia tranquilamente.

"Este é seu irmãozinho, Ichiro. Ele não é bonito?" Perguntou em voz gentil a senhora dos Shimada. Ichiro não conseguiu articular uma resposta. Apenas contemplar a beleza inocente naquele rosto tranquilo, que bocejou por segundos inteiros enquanto brincava com o dedo de seu irmão. "Você é seu irmão mais velho, Ichiro. É seu dever protegê-lo, entende? Prometa-me que quando nem eu nem o seu pai pudermos protegê-lo, você o protegerá por nós sim?"

"Prometo, mamãe."

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