A Lapa

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No meio da madrugada, várias garotas entraram em meu quarto tentando fazer o mínimo de barulho. Eram 4 contando com Helena, e se sentaram ao lado da minha cama.
- Já cortaram seu cabelo?- Perguntou uma delas.
Assenti com a cabeça e me sentei diante delas constrangida com a situação, eu estava apenas de top e um short pijama velho que minha prima de terceiro grau me presenteou quando menor.
- Bem vou apresentar você as garotas:-Essa é a Evellyn: Evellyn era a garota sentada ao lado de Helena, tinha cabelos curtos como o meu (provavelmente obra da patroa), eram ruivos e com voltas, tinha os olhos castanhos e era muito branca.
Essa é a Priscilla: Priscilla era uma linda morena dos cabelos negros com cachos e curtos também, ela usava piercing no septo e alargadores.
Essa é Larissa: Larissa era a única com o cabelo relativamente grande, preto e encaracolado, e era branca com o típico bronzeado carioca.
- Você deve estar se perguntando o por que dela ter picado seu cabelo... Bem, a filha da patroa tem câncer, e ela acha uma ofensa a garota ter que conviver com garotas com cabelos bonitos na casa.- Disse Helena
- Mas por que Larissa tem os cabelos grandes?
- Ela é a única aqui com uma mãe para protegê-la...Ela é a filha da cozinheira. Mas vamos esquecer isso, nós sabemos que esta tarde para os padrões do condomínio mas estávamos pensando em dar uma saída em comemoração à sua chegada! Vamos ir para a Lapa se divertir um pouco, vai acontecer a festa 30 dias para o Carnaval! Quer ir?
Concordei, e elas saíram para eu me arrumar. Abri a cômoda e as roupas novas prevaleciam nas gavetas, mas eu não daria o luxo a patroa de controlar até o que visto, não hoje. Peguei o meu melhor vestido, o vestido que a minha mãe fez de crochê para mim em comemoração ao meu décimo sexto aniversário. Ele era branco, e me deixava com o corpo lindo. Peguei a tesoura, e fiz uma franja em meu cabelo para ficar mais feminina, coloquei meus brincos de estrela e meu cordão com o rosto de uma jovem índia e uma rasteirinha preta.
Encontrei com as garotas na porta que dava para os fundos da casa, e todas estavam maravilhosas. Helena era a que mais se destacava. Era branquinha com sardas, e com os olhos e cabelos pretos que chamavam atenção de qualquer um. Tinha o corpo típico da mulher brasileira, pouco busto mas todo resto compensava. Estava usando um short jeans desfiado e uma blusa azul cobalto caída nos ombros. Já Evellyn usava uma curtíssima blusa preta, maquiagem pesada e uma calça vermelha colada sem bolsos. Priscilla usava um casaco vermelho estiloso e uma calça jeans rasgada. Usava cílios postiços lindos e ainda um salto agulha preto gigante. E por fim Larissa, usava uma saia branca de renda branca linda, uma blusa azul e um casaquinho preto por cima.
    Notei que era a única de vestido, e inconscientemente agradeci por isso, aquela seria a minha noite.
- Prontas meninas?
Saímos pelos seguranças do condomínio sem sermos paradas, e caminhamos até o mais próximo ponto de ônibus, que ficava no meio do nada, sem iluminação e sem calçadas. Do meio do breu, avistamos uma vã vindo em nossa direção. Demos sinal e entramos. Dentro dela só havia eu e as garotas, o motorista e um homem sentado no canto da última fileira. Ela nos deixou no Recreio, e de lá pegamos um ônibus para o centro da cidade.
- Sabe você não precisa ficar com medo, essa cidade costuma ser bem acolhedora-Disse Priscilla.
- Não estou com medo, só receosa. Mas eu nunca estive em uma festa dessas, na verdade nunca vi tanto asfalto assim em toda a minha vida.
- Vou te dar um resumo: Tem samba, garotos gatos, bebidas, garotos gatos!
Rimos um pouco mas a deixei de lado, eu queria aproveitar a vista do ônibus, e aproveitar a calmaria antes que tudo em minha volta fosse super caixas de som e pessoas bêbadas.
Chegamos no centro e andamos um pedaço. Chegamos em uma casa de festas no segundo andar de um prédio antigo, subimos as escadas e a cada degrau a mais que pisávamos a música ficava mais forte.
- MENINAS NÃO SAIAM AQUI DE DENTRO, NOS ENCONTRAMOS DAQUI A 3 HORAS NA ENTRADA!- Disse Helena.
Não sabia que iríamos nos separar, e comecei a tremer. Helena conhecia o Dj e foi ao seu encontro. Priscilla e Evellyn desapareceram no meio da multidão animada, e ficamos só eu e Larissa.
- Fernanda, vamos ali no bar!
- Eu não bebo!
- Para tudo se tem a primeira vez!
Relutante eu fui, preferi ser uma bêbada com amiga, do que uma sóbria sozinha.
O bar ficava no canto do espaço da festa, um pouco distante da pista de dança. Ele era todo de vidro, e nele refletia as luzes da enorme bola de cristal centralizada no teto do lugar. As cadeiras eram estilo retrô, e as bebidas ficavam a mostra na prateleira também de vidro, mas com o apoio de madeira. Nos sentamos e ela pediu duas batidas para começar.
- Sabe não é ruim como você pensa, é só você moderar.
- Eu sei... É que eu nunca bebi e não sei como eu iria ficar sem ter controle sobre mim sabe, principalmente em um lugar desconhecido.
- Então fica pela batida, mas experimenta!
Bebi uma batida de morango, e gostei para a minha surpresa.
- Fê, agora eu vou a procura dos novinhos, nos encontramos na entrada!
Sabia que aquilo iria vir a acontecer, elas estavam aqui por outros propósitos, só deram a desculpa de estarem comemorando minha chegada. Não as culpo, elas trabalhavam sem remuneração e provavelmente a patroa as usava e abusava, elas mereciam uma noite divertida, mesmo que não fosse passada comigo. Não suportei ficar no bar e fui em direção ao terceiro andar. O terceiro andar era uma sacada sem cobertura com vista panorâmica de toda a Lapa. Maravilhada encostei na grade de proteção da sacada e me peguei pensando em minha mãe. Ela iria adorar estar aqui com nossa família. "Eu tenho que lutar pelo bem dos que me amam, dar o melhor para eles".
- Aqui é um ótimo lugar para refletir sobre os problemas.- Disse um estranho garoto que se debruçou na grade da sacada.
- Um ótimo lugar para acabar com eles também.- Disse sendo irônica sobre a forma que ele estava debruçado no parapeito.
- Ah, desculpe, não quis te preocupar.- Disse com um sorriso malicioso estampado no rosto.
-Digamos que eu me preocupo muito com jovens deprimidos que frequentam baladas animadas.- Esboçando um sorriso malicioso como o dele.
- Sabe usar as palavras...Uma garota bonita e inteligente em uma festa no meio da madrugada de domingo na Lapa, isso é raridade.- E o seu sorriso sarcástico cada vez mais mostrava sua beleza.
- Na verdade estou aqui acompanhando amigas, bem, elas não estão me acompanhando, mas isso faz parte do jogo.
- Que jogo?- Perguntou sorrindo e levantando uma de suas sobrancelhas.
- Sabe, você pede a companhia da amiga para ir na festa, mas é a regra, você quando chega não fica com ela.
- Claro! E qual você acha que é o propósito das amigas? Ficarem apenas dançando e bebendo juntas?
- Sim! Eu acho. Mas elas não são bem minhas amigas, na verdade as conheci hoje.
- Vendo de um ponto de vista otimista, olha como elas te fizeram um bem, se elas não tivessem te trago você não teria me conhecido!- Falou me olhando fixamente nos olhos.
Eu dei um sorriso e assenti com a cabeça, mas virei e continuei a olhar a beleza dos arcos da Lapa.
- Meu nome é Théo, só para constar.
- Prazer, Fernanda.
- Seu nome é tão lindo quanto seus olhos, alguém já te disse isso?
Me virei para ficar de frente para e ele o encarei.
- É de seu costume cantar garotas as 3 da manhã?
- Se elas tiverem olhos verdes amendoados como os seus, talvez, mas devo alerta-la que é a primeira, então não poderei te dar certeza que meus métodos são 100% eficazes.
- Mas devo confiar nos seus métodos?
- Depende, quer dançar?
Descemos até o segundo andar, e ele me deu a mão. Théo saiu me puxando apressado pelo meio da multidão até chegar ao centro da pista de dança. Estava tocando no palco alguma bateria de escola de samba, e pelo visto famosa. Levou todos a dançar em um ritmo único. Théo começou a sambar de uma forma maravilhosa, como se fosse profissional. Fiquei rindo e aplaudindo para o incentivar enquanto o admirava da cabeça aos pés. Era um moreno da cor do pecado, alto e um pouco musculoso, com um sorriso lindamente torto. Tinha o cabelo jogado com as laterais baixas e a franja caída para trás. Era extremamente bonito para meus padrões, e isso me deixou nervosa.
- A moça não vai me acompanhar?
- Eu não sei sambar...- Disse sem graça.
- Toda mulher que pisa no Rio de Janeiro sabe sambar, mesmo que ela nunca tenha sambado antes.- Disse me incentivando.
Ele parou e cruzou os braços em tom de juiz. Eu acabei cedendo e demonstrei o "quanto sabia sambar". E para minha surpresa, ao invés de me elogiar, ela começou a rir de mim alto e todos em volta dele olharam.
- É Fernanda, você claramente é a exceção do que eu disse.
- Théo, isso não tem graça.- Falei observando as pessoas ao meu lado.
- Você não é daqui.- Falou me encarando.
- Sim, não sou, obrigada por me desmascarar!- Falei brincando mas ao mesmo tempo mantendo a seriedade no rosto.
Não dando tempo dele responder a minha ironia, Helena chegou por trás de mim:
- Fê, está na hora da gente ir, me encontra na entrada, as garotas já estão lá.- Falou olhando para Théo.
- Tudo bem, te vejo lá.
Ela saiu e me deixou sem ter o que falar a Théo. Eu não queria ir embora, não naquele momento.
- Bem, acho que já vou indo...
- Tudo bem, eu entendo. Adorei passar essa noite com você franjinha.- Falou fazendo carinho em minha franja.
- Também gostei...
Ele me roubou um beijo. Eu nunca tinha sido beijada de verdade na minha vida inteira, eu não tinha muitas opções onde eu morava. E me peguei beijando um garoto desconhecido, em uma boate desconhecida, no meu primeiro dia no Rio de Janeiro. E foi muito bom. Mas ele interrompeu logo depois e saiu andando sem falar mais nada, me deixando sozinha no meio da pista de dança.
Sai dali o mais rápido que pude, e fui ao encontro das meninas. Todas me olhavam com um tom curioso, mas nada falaram. Andamos até o ponto, pegamos o ônibus, e depois a van como na ida, entramos no condomínio, abrimos a porta dos fundos da casa com cuidado e cada uma foi dormir em seus respectivos quartos.

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