Tarefas Diárias

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     Fui acordada por um despertador que nem sabia que existia em meu quarto. Eram apenas 7 da manhã e eu mal tinha dormido duas horas. Fora deixado uma blusa e uma calça cinzas com um bilhete escrito "Melhor que roupa de empregada - Helena". Tomei um rápido banho, coloquei a roupa e fiz um coque com o pouco de cabelo que me restava. Segui para cozinha sentindo novamente cheiro de comida. Dessa vez cheirava a pão e café fresco.
- Bom dia meninas! O cheiro está ótimo!!
- Fernanda precisamos falar com você.- Disse Evellyn.
     Fiquei assustada com o repentino pedido, mas assenti. Larissa andou lentamente de cabeça baixa do canto da cozinha até mim. Chegando a mim, levantou o rosto. Ele estava roxo, com um grande corte perto dos lábios.
- O que houve?- Falei desesperada com a situação.
- O que houve, foi que a Larissa bebeu demais, e a Patroa sentiu o cheiro.
- Temos que fazer alguma coisa!
- O que você acha que devemos fazer? Só estou te alertando novata porque hoje não teremos o que comer, continue apenas sentindo o cheiro! - Assim que Evellyn terminara de falar, saiu sem mais se manifestar do cômodo, e se trancou em seu quarto.
- Desculpa Fernanda, mas cada uma tem sua forma de digerir a situação.- Falou Helena sobre os ataques de nervos de Evellyn.
- O problema real, vai ser quando a mãe de Larissa ver isso. Talvez ela não passe de hoje nessa casa.- Priscilla terminou a frase em voz baixa.
- Mas elas têm para onde ir?- Perguntei.
- Não, elas não têm, mas a Dulce não vai ficar parada vendo o que a patroa fez no rosto de sua filha. - Concluiu Helena.
Sabe o que eu acho?- Interrompeu Larissa- Que devemos fazer nossas tarefas, depois pensamos no que faremos com meu rosto.
Minhas tarefas de segunda feira estavam coladas na geladeira, e as da manhã seriam lavar a cozinha as 7 horas, e as 9 horas servir o café da manhã. Não relutei, apenas fui no armário de produtos de limpeza na própria cozinha e comecei a limpa-la. Passei duas horas tirando gordura de um fogão industrial, deixando o chão e as paredes limpas, reorganizando os talheres, copos, pratos e panelas dos armários, lavei a gigante louça que era apenas de um café da manhã para meu espanto, lavei as janelas e as portas, além de desencardir e estender todos os panos usados na minha limpeza e nas das garotas que já foram feitas.
Terminado a primeira tarefa, coloquei em uma grande bandeja todos os pães, bolos, frutas, café e sucos. Fui indo bem devagar me preparando psicologicamente para olhar para a cara de pau da nossa patroa. Chegando na grande mesa da sala, estavam sentados a Patroa, um senhor que parecia ser seu esposo e uma garota que aparentava ter minha idade. O senhor era alto, com postura de militar. Tinha os cabelos grisalhos e uma boa forma para a idade que deveria ter. Já a garota, era branquinha, muito magra e aparentava ser muito frágil. Tinha um pano enrolado onde deveria estar seu cabelo.
     Fui arrumando a mesa de cabeça baixa, e notei que o homem me observava. Coloquei tudo em ordem, os servi e me retirei. E quando estava quase a sair do cômodo, a Dona se pronunciou:
- Como foi sua noite Fernanda?
     Ela falou e eu me virei, a encarei por alguns segundos, seu rosto cínico me dando ânsia de vomito.
- Foi ótima, obrigado por perguntar.- Dei um sorriso, e me retirei.
     Eu estava indignada com tudo o que havia acontecido, e me peguei novamente a perguntar se eu merecia. Saindo da casa, fui dar uma volta pelo condomínio, talvez para esquecer os problemas por um tempo. Fiquei contemplando as casas bonitas, os jardins bem cuidados, as pessoas elegantes passando com seus carros, jovens e idosos correndo para manter a saúde, com roupas de esporte de marca para mostrar a todos que estão praticando alguma coisa. Avistei um parquinho e fui em sua direção. Sentei-me no balanço que ficava de frente para um laguinho de pesque e pague e por lá fiquei. As coisas não estavam acontecendo como eu esperava, na verdade estava acontecendo o oposto de tudo aquilo que passei imaginando uma semana antes da minha viagem para o Rio.
     Alguém se sentou do lado oposto em que eu estava no lago, e fiquei o observando pescar. Achei interessante, e quis também. Fui andando pela beirada da água até chegar próximo aos bancos e suas varas de pesca. Me sentei, e joguei o anzol no lago.
- Fernanda, que surpresa te encontrar aqui!- Falou alguma pessoa por trás de mim com uma voz familiar.
Virei- me e o reconheci: -E aí cara da pelada- Falei em tom de brincadeira.
- Não sabia que morava aqui.
- Quando te conheci também não sabia, mas infelizmente moro sim.- Dei um sorriso triste.
- Problemas?- Falou parecendo se preocupar com a situação.
     Abaixei a cabeça e concordei, não sabia se era certo comentar algo tão pessoal com um estranho.
- Quer comer alguma coisa lá em casa?
     Fomos em silêncio até chegar em sua casa. Por incrível que pareça, ela era simples. Era grande quanto às outras, mas os donos não se deram ao luxo de participar da competição de "melhor e mais exótica casa da rua". Entramos por uma porta branca, e ele me levou em direção a cozinha. Sua mãe tinha feito pudim, e no momento que cheguei estava arrumando a mesa.
- Mãe, essa aqui é a Fernanda, conheci ela um dia desses na praia.- Falou um pouco baixo, e notei que estava envergonhado.
- Que linda moça! Prazer, sou Lucia, mãe do Arthur.- Falou como se estivesse guardado toda a emoção de sua vida até minha chegada.
- A gente vai lá para o quarto...
- Tudo bem! Já levo um lanchinho para vocês lá!- Falou em tom de aprovação.
Fomos subindo as escadas, seu quarto era no terceiro andar. Quando entramos, dei um sorriso. Todo quarto era azul claro, com pranchas nas paredes e shapes com desenhos tribais. Nele havia uma varanda, e para lá segui rapidamente por timidez. Ele se apoiou ao meu lado na grade e ficou me encarando, e aquela atitude me lembrou Théo. Dai, eu lembrei do que aconteceu quando cheguei da festa, e lembrei da distância entre o Rio e a minha família. Não queria, mas não consegui segurar, me derrubei em lágrimas ao lado de uma pessoa que eu sabia que não me entenderia, aliás, ele nunca iria se imaginar vivendo em meu lugar. Mas apoiei minha cabeça em seu ombro, em tom de "eu sei que você se importa", e por ali ficamos.
- Sabe, eu sei que você não confia em mim ainda para dividir os seus receios, suas angústias. Mas saiba que desde que te vi lá naquela praia eu enxerguei uma garota especial, que não desiste tão fácil. Pode me achar louco mas o seu olhar diz isso. Você não se abala fácil, e deve continuar assim, mesmo que seu alicerce esteja longe.- Falou olhando para o céu. Não respondi e ele continuou - E...caso queira espairecer um pouco, a gente poderia sair um dia desses.
Eu não conseguia tirar o sorriso do meu rosto. Arthur despertou a alegria após uma recaída, e seu rosto enrubescido mostrou que não levava nenhum jeito para cantadas, ao contrário de Théo. Mas a segurança que ele exalava e o otimismo me fizeram ver que eu poderia contar com alguém.
- Obrigada.

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⏰ Última atualização: Nov 13, 2016 ⏰

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