Quatro

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De frente para o meu guarda-roupas eu sempre acabo concluindo que não tenho o que vestir. Estou com as mãos nos quadris, toalha enrolada nos cabelos, quando mamãe me chama no FaceTime.

Ah, não! Agora não.

Não tenho coragem de rejeitar uma chamada da minha própria mãe, então acabo atendendo.

– Oi, linda! – falo, porque sei que ela adora um elogio.

– Ooooi – cumprimenta, e eu imediatamente noto que esse "ooo" prolongado tem algum motivo. – Está se emperiquitando para quê?

– Tenho uma reunião.

Seu sorriso some.

– A uma hora dessas, Violeta? Você está sendo explorada, minha filha!

Abro um sorriso quente para ela, e desminto antes que ela comece com aquela história de concurso público de novo.

– É brincadeira, mãe. Vou sair com um cara que conheci. – Ela solta um suspiro de espanto e leva uma das mãos à boca. – Mas não crie expectativas cedo demais.

– Ah, finalmente! Eu preciso tanto de um genro, querida! Já estou ficando velha e ainda não tenho nem sinal de neto.

– Isso é exatamente o contrário de não criar expectativas, dona Ana! – ralho, de queixo caído.

– Não me julgue, filhinha, você sabe como a mamãe é ansiosa.

– É, sei sim – respondo, dengosa. De repente sinto vontade de abraçar minha mãezinha. – Estou com saudades.

– Ah, amorzinho, também estou – ela diz, aconchegando-se para o lado. Mauro estica a cabeça, entrando no campo da câmera.

– E aí, Violeta!

– Oi – cumprimento meu padrasto, que mais parece um irmão mais velho, enrubescida por ele ter me flagrado de toalha. Imediatamente posiciono meu telefone na altura da cabeça. Mauro é dez anos mais novo que a minha mãe e dez anos mais velho que eu. Não importa que os dois estejam juntos há nove anos. Não importa quanto tempo passe, eu sempre vou achar isso bizarro. Ainda assim, sinceramente o adoro. Adoro a forma como os olhos dela brilham quando está com ele, e ainda mais a forma como os dele brilham quando a olha sem que ela perceba. Eu não posso ser contra isso, não depois de tudo o que ela sofreu por causa do cara que deveria ser meu pai. Depois do que nós duas sofremos.

– Não adianta esconder – ele brinca. – Nós vimos que você está se arrumando toda.

Faço uma careta e implico com o bigode que ele deixou crescer. Tenho certeza de que está tentando parecer mais velho de propósito. Mauro fica possesso quando as pessoas comentam sobre a diferença de idade entre os dois.

Mamãe não demora muito para me dispensar. Não quer estragar a chance promissora de ganhar netos de sua filha única.

Desligo a chamada com um sorriso no rosto e encontro um macacão que adoro. Um grafite, que acentua minha pele clara. Com Romeu, meu pug, me seguindo o tempo inteiro, vou até o espelho para secar o cabelo e, quando o trabalho está completo, acrescento uma tiara fininha com pequenas zircônias encravadas. Faço uma maquiagem fraca e, através do vidro fechado da minha janela, vejo o tom rosado do crepúsculo escurecer. Posso observar que muitas das luzes do prédio ao lado já estão acesas, o que significa que o tempo está passando, dentro de mim, essas últimas horas se pareçam com uma irritante eternidade.

Ando até a sala e ligo a tevê para distrair a ansiedade. Nos pés, tenho meus scarpins salto agulha. Apenas dois minutos se passam desde que decido me distrair, até que Pedro toque o interfone. Ele está cinco minutos adiantado. Precisos cinco minutos. Exatamente como Peter White Castle estaria.

Minha Vida às Avessas (DEGUSTAÇÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora