Capítulo 1: A Primeira Guardiã (I)

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Fogo.

Em todos os lugares para onde olhava, fogo era tudo o que Aislinn conseguia ver. Mas logo até mesmo as chamas seriam difíceis de enxergar, já que os olhos começavam a arder e lacrimejar devido à fumaça. O pulmão também já estava cheio dela, chegando a atrapalhar sua respiração e já não conseguindo manter o fôlego, inspirando com extrema dificuldade e sempre tossindo.

Ainda assim, a menina sentia que alguma coisa estava errada. Aquilo não parecia real. Seus olhos estavam abertos e seu corpo conseguia sentir todas aquelas sensações, todo aquele calor. Mas definitivamente não parecia real.

Parecia também impossível ser irreal.

Contudo, de certa forma era irreal. E ao mesmo tempo totalmente real. Ela não estava em casa, nem conhecia o lugar onde estava. Achava-se completamente perdida, mas sua mente não se mostrava como perdida, fingia conhecer todo o recinto, confundindo-a ainda mais.

Aislinn Seymour era apenas uma garota de dezessete anos. Uma garota bonita, com os olhos extremamente verdes e conquistadores, porém não o suficiente para conquistar qualquer homem que fosse, apenas para moldar um ar de confiança para quem quer que os observasse. Mas aqueles olhos, quando somados com a pele claríssima e o cabelo enrolado e longo, traziam a ela uma beleza interessante, mais que suficiente para conquistar qualquer homem, ainda que sua personalidade forte e fria nunca deixasse transparecer algum interesse ou incentivo à aproximação. Ainda assim, era uma garota notável.

Havia também seu irmão, o garoto alguns anos mais novo, Brenton Seymour. Ele possuía os mesmos olhos e a mesma cor de pele, o cabelo era curto e a personalidade oposta a da irmã, sempre emocionalmente frágil. O tempo acabaria mudando aquilo, mas na situação em que vivia, tinha o direito de mostrar sua dor e desespero, mesmo que a menina não percebesse ainda qual era a situação.

O fogo continuava preenchendo sua mente.

Confundindo-a. Dominando-a.

-

Longe dali, porém extremamente perto, Sophie e Tristan acordavam em desespero numa casa que também começava a ser invadida pelas chamas. Eram os pais dos irmãos Seymour, a menina estava fisicamente na casa, porém sua mente voava longe dali, preenchida por algo que já havia sido extremamente comum na época dos pais. Algo que eles chamavam de dom. Um dom que estava se extinguindo em Cyan, e que era essencial para a saúde e continuidade daquele mundo.

Cyan era um mundo cheio de criaturas mágicas, e estas eram muito mais ligadas a ele do que os humanos. Um mundo ainda cheio de magia, no qual existiam guerreiros nobres, porém sem castelos ou palácios. Um mundo no qual a dignidade humana vinha antes de dinheiro e poder, ou ao menos costumava ser assim, na época em que Cyan ainda era guiado pelo dom.

Sophie havia despertado devido à fumaça que já chegava ao quarto. O clima naquele dia estava seco e frio, possibilitando assim que o fogo avançasse ainda mais veloz. Ela acordou o marido o mais rápido que pôde e correu para o quarto dos filhos, onde encontrou Aislinn em uma espécie de transe, enquanto Brenton tentava fazer com que ela voltasse à realidade.

Aquele transe já acontecera outras vezes, sempre que seu dom, a visão, invadia sua mente. A garota poderia muito bem controlar aquilo se tivesse recebido algum treinamento, mas até o momento não conseguia e era extremamente perigoso que o fizesse na pequena aldeia na qual viviam.

— Brenton, saia já daqui! – a mãe gritou a ordem às pressas.

— Mas a Ai não acorda – ele choramingou.

— Tudo bem, encontre seu pai lá fora, eu vou acordá-la.

O garoto de treze anos correu para as escadas e encontrou seu pai no corredor. O primeiro andar estava dominado pelo fogo. Tristan pensou rápido e correu de volta ao quarto puxando o filho consigo, enrolou-o num cobertor e tirou-o de dentro da casa evitando as chamas.

— Fique aqui fora! – foi o que ele mandou antes de entrar novamente.

— Você não pode entrar lá, papai – choramingou o menino ao segurar o braço do adulto.

— Prometa que ficará aqui!

Tristan Seymour olhava para os olhos de seu filho, as lágrimas preenchiam o rosto de ambos. Foi entre elas que o menino prometeu ficar ali e com isso salvar sua vida. Ele sabia, inconscientemente, que o pai não voltaria mais.

Enquanto isso, no quarto de Aislinn, a garota já não via fogo algum, a fumaça da realidade fora suficiente para fazê-la desmaiar e interromper a visão. Sophie também tossia muito, mas com dificuldade pegou a menina nos braços e tentou levá-la para fora.

Ao voltar para o interior da casa, o fogo ardia por todos os lados, mas não impediram que Tristan encontrasse um caminho para chegar ao quarto da filha. Sophie estava extremamente frágil, seu corpo não obedecia mais as ordens do cérebro, mas ainda assim ela tentava desesperadamente carregar Aislinn para fora. O pai então tomou a menina em seus braços.

— Leve-a daqui – murmurou ofegante.

— Venha comigo! – implorou Tristan.

— Estou logo atrás de você, querido – mentiu.

Ele saiu do local com a garota no colo, Sophie realmente tentou acompanhá-lo, mas sentiu as pernas fraquejarem e deixou o corpo cair, sem forças para lutar. Fechou os olhos e deixou que a falta de ar dissipasse sua consciência.

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