Capítulo 1 - Respiração

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— Aquela garota está olhando pra você.


Virei minha cabeça na direção indicada e meu olhar então se fixou em uma garota de cabelos castanhos presos em um rabo de cavalo. Não era muito mais baixa que eu e também tinha um biotipo interessante, daquele que não é nem gordo e nem magro. Seus olhos eram mais escuros que seus cabelos e sua pele era levemente bronzeada. Ela usava jeans normais e uma blusa de frio azul claro com símbolo da escola estampado, um dragão alado de escamas vermelha com três esferas brilhantes girando em sua órbita.


— Ela parece um tanto quanto insegura.

— Não faça essa cara Key, ela está te dando mole.

— Quantas vezes eu tenho que repetir que odeio apelidos Tiffany?


Ela deu de ombros.

— Foi mal.


O sorriso maroto ainda iluminava o rosto dela e dava destaque as mechas brancas que caiam de duas mechas soltas de seu coque. Atualmente Tiffany era uma das poucas que aguentava meu temperamento oscilante e meus comentários ácidos, aquilo nela fazia eu me sentir confortável o suficiente para dar um pouco de liberdade a seus traiçoeiros olhos azuis.


— E então?

— Então o que?

— Vai falar com a garota?


Revirei os olhos.


— Vamos fazer o seguinte, eu falo com ela quando você aprender a tomar conta da própria vida, que tal?

— Parece uma boa proposta, mas minha vida não tem o mesmo... – Ela olhou para o céu e batucou no lábio com os dedos - Esplendor, que a sua.

— Muito engraçada você, devia investir na carreira de humorista.

Ambos rimos. Tiffany era sem dúvidas uma ótima companhia, mas ela não tinha a mesma visão que eu. Ninguém tinha.


Eu podia desvendar as pessoas e ver a inocência fingida no olhar de qualquer um, assim como eu havia visto nos olhos daquela garota. Não estava disposto a me esforçar e gastar papo por um sexo casual, eu já tinha dezoito anos e logo não poderia mais morar no orfanato, o que significava que eu precisava arrumar um emprego... e urgente. Não tinha tempo para essas tolices.


No fim das contas a garota foi embora e a pantera de olhos azuis ao meu lado voltou a me infernizar. Talvez eu pudesse chamar aquilo de amizade, mas ainda não tinha completa certeza disso. As pessoas sempre tendem a serem precipitadas demais, previsíveis demais, se entregando em um único abraço ou beijo. Acontece que assim como "amor", a palavra "amigo" era forte demais para ser desperdiçada. Por esse motivo eu jamais prolonguei demais o contato com alguém além de mim mesmo e talvez por isso os casais que visitavam o Dreamishes nunca me escolhiam para fazer parte de sua família, o que aos poucos se tornou um grande alívio.


Eu preferia a quietude dos livros e minha sede por conhecimento era infinita. Certa vez, quando eu tinha cerca de uns 11 anos, vi meus colegas de classe discutindo sobre qual era o seu herói favorito durante uma aula de artes. Alguns citavam personagens de desenhos animados, como Batman e Super Man, já outros, preferiam citar seus pais, mães ou avós como heróis. Ninguém me perguntou qual era minha opinião sobre o assunto e senti que aquele foi o correto a se fazer, eles me julgavam como estranho e calado demais, mas qualquer assunto que eu quisesse argumentar com um deles seria demais para que suas pobres mentes aguentassem. Seria como falar com um poste esperando-se obter a resposta da raiz quadrada de PI.

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