Capítulo 3 - Balanças

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Se um anjo e um demônio sussurrassem em seus ouvidos, saberia me dizer a qual deles você deu mais atenção?


Eu pedalava freneticamente, a sensação do vento batendo em meu rosto me dava uma falsa sensação de liberdade que fazia com que a situação minutos atrás fosse até suportável. Eu detestava magoar as pessoas mais próximas a mim, no entanto, a verdade era algo completamente necessário na vida deles. Por um acaso você, leitor, já parou para pensar em como o ser humano usa de desculpas esfarrapadas para tornar a mentira algo aceitável para seu dia-a-dia? Como se isso fosse ajudar de alguma forma alguém... Estupidez.


Sinto por vezes que as pessoas não sentem um misero remorso por estarem enganando outro, o que chega a ser mais grotesco do que as selvagerias que os outros seres deste planeta fazem em busca de alimento ou defesa de território. Tantas pessoas que julgam um tubarão por devorar alguém, por exemplo, sem ao menos pensar que era a vítima que estava no território do tubarão, e que ele não se importava com o fato de ser um não alguém bom ou ruim, seu instinto o dizia apenas para se alimentar e ele vira, ali, uma oportunidade. Há tantos erros que eu gostaria que o mundo notasse, porém estou divagando.


Segui pedalando a toda pressa, naquela hora da manhã o trânsito não era tão intenso a ponto de eu precisar andar cuidadosamente sem me arriscar muito, claro que Cardiff era uma capital, e como toda a boa capital, possuía mais habitantes que cidades do interior, mas eu ainda estava seguro por conhecer aquela cidade como a palma de minha mão. Não parei até alcançar meu destino, o Bute Park.


Aquele era um local fora do meu mundo, era um espaço sem pressões, sem julgamentos, sem conselhos. Era perfeito.


Eu já não pensava mais tanto, apenas descia da bicicleta e deixava que minhas pernas me guiassem, como se elas mesmas já tivessem decorado o caminho ou estivessem seguindo uma trilha invisível feita pela minha mente a muito tempo atrás. No meio do caminho eu paralisei e então me virei e ergui a mão no momento exato um freesbee atingiria minha nuca. Um garoto jovem, com os cabelos escondidos em baixo de um boné, correu em minha direção se desculpando e falando qualquer coisa sobre eu ter um ótimo reflexo, mais de perto, quando pude fazer contato visual direto com ele seu sorriso murchou e seu olhar pareceu ficar vidrado por alguns instantes antes de eu entregar-lhe o circulo de plástico e ele se virar sem dizer uma só palavra. Antes de me tomar meu caminho novamente pude vê-lo balançar a cabeça alguns passos depois mas ele não olhou nem sequer um segundo para trás.



Eu havia feito aquilo mais uma vez...



Certas pessoas adorariam fazer amizade com estranhos ou serem elogiadas de forma repentina, mas eu estava com outros assuntos em mente e sinceramente não queria perder tempo, eu consegui evitar um atraso o que me deixava com tempo a mais para refletir sobre qual seria o próximo passo. Sabe, eu continuo sendo humano, sei que posso parecer arrogante na maioria das vezes, mas isso é apenas por que mentes pequenas não conseguem lidar com a verdade, e se você é portador de uma uma mente pequena conversar com você seria como conversar com uma uma folha seca de um carvalho.


Segui para sudoeste do parque como de costume, um fato curioso é que haviam mais de três mil tipos de árvore naquele lugar, não era atoa que seu tamanho total equivalia a 75 campos de futebol. Agora eu me aproximava da árvore que eu já considerava minha, ela ficava em meio a muitas outras mas formava uma pequenina colina ao redor da base de seu tronco onde as raízes se levantavam até que atingissem o solo. Seus galhos repletos de folhas verdes me faziam sentir um pouco da paz perdida ao longo dos anos.


A brisa soprava sem pretensões e o sol continuava a brilhar. Apoiei a bicicleta ao meu lado pude me sentar e apoiar as costas no tronco para relaxar um pouco. Apesar de ler uma quantidade significante de livros de botânica eu não fazia ideia de que espécie de árvore era aquela e aquele fato tão pouco me importava, tudo que eu sabia era que ali era meu lugar especial e que ali eu poderia ficar sozinho pelo resto do dia. E isso não era uma simples suposição, ninguém passava por aquele lugar quando eu estava ali e eu mesmo sabia que aquilo não apenas uma feliz coincidência, isso fazia parte do meu maior segredo também.


Zara continuava a tentar por mim, o festival estava perto de acontecer e todos estavam animados, havia pressão constante sobre meus ombros e eu estava a apenas um passo de ter que decidir o que seria do meu futuro. As coisas poderiam ser mais fáceis, suponho esteja pensando agora, ou então que esteja comparando o peso de meus problemas aos dos seus, no entanto o que você não sabe é que nem tudo que importa pra você faz alguma diferença na vida de alguém. Um problema que, para você, pode parecer ser gigantesco, para outra pessoa pode não passar do tamanho de uma simples formiga e é assim que as coisas funcionam, não espere piedade de ninguém assim como eu não espero nada de você, caro leitor. E mais, aprenda que nada na vida é fácil, vivemos em uma corrida de obstáculos dia após dia, e não importa o quão forte e confiante você levante, a vida irá te derrubar novamente.


A questão não se você pode levantar ou não, e sim quantas vezes esta disposto a fazer isso.


Respirei profundamente e fechei os olhos, minha cabeça tombou levemente para trás fazendo com que os cabelos castanhos tocassem o tronco da grande árvore. Ali eu me sentia seguro, livre de qualquer olhar acusador ou esperançoso, livre de qualquer tipo de obrigação que levasse a um lugar que não fosse o momento presente. Quando abis os olhos, a brisa se transformou em uma leve ventania e as folhas em diversos tons de verde sacudiram ao meu redor, se desprendendo de seus galhos e dançando no ar ao meu redor.


Enquanto eu assistia ao espetáculo de ballet da natureza, estendi as mãos para que duas folhas pousassem. Uma em cada palma.


Elas pareciam exatamente iguais, no entanto, ao mesmo tempo, extremamente diferentes. A que repousava em minha mão direita começou a se tingir de branco indo do centro até as pontas como se sugasse a tinta e a levasse através de seis veios, já a que descansava na palma esquerda, se tingiu começou a escurecer até assumir um tom profundo de negro. Olhei atentamente a transformação de ambas as folhas ao passo que o vento bagunçava meus cabelos e depois esmaguei ambas nas mãos fazendo com que se tornassem pó lançado no ar frio.


De alguma forma eu sabia que algo estava para acontecer em breve, poderia ser apenas impressão ou intuição claro, mas era algo maior que isso. Os dragões rugiam em meu peito, e isso jamais acontecera antes.

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⏰ Última atualização: Jul 16, 2017 ⏰

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