Matar borboletas

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Ontem havia uma borboleta no meu quintal.

Era negra, com tons que fugiam do vermelho ao rosa em polvorosa nas asas.

Achei-a linda. Diferente. Pensei em como uma foto sua seria bela.

E não pestanejei ao pegar a câmera e me ajoelhar no chão para tentar conseguir um clique perfeito; não deu certo.

A borboleta estranhou minha proximidade e bateu as asas delicadas de uma forma que pupilas humanas jamais acompanhariam.

Eu ainda queria muito a fotografia. Não desisti.

Esperei que a borboleta se acalmasse e cheguei mais perto. Mas ela sempre notava minha presença e voltava a se agitar. E aquilo se arrastou por vários minutos. Todas as imagens saíam borradas, nenhuma me agradava.

Por um momento, uma coisa passou pela minha cabeça: se eu matasse a borboleta, tudo daria certo. Porque, oras, se ela estivesse morta não se mecheria. E se a borboleta não se mechesse, eu enfim conseguiria tirar a fotografia perfeita.

Só então me dei conta de que não o faria.

Aquilo caiu displicentemente sobre meus ombros, arranhando meus pensamentos, enquanto eu observava a borboleta debater-se no chão.

Iria eu, matá-la?

Me dei conta também de que fazia a mesma coisa com certa frequência. Vivia matando borboletas e nem percebia. Muitas perderam suas vidas em minhas mãos desde que nasci, enquanto eu as julgava, massacrava e pisoteava.

Quem eu pensava ser, fraco ser humano, tão cheio de si (de mim), para me achar no direito de tirar a vida da borboleta que nada comigo tinha a ver, apenas para satisfazer minha necessidade de obter uma imagem perfeita?

Mas assim são todos os seres humanos. Autossuficientes. Sempre matando a vida para chegar à beleza. Sempre matando os sentimentos, o que há de belo e invisível, o que é de verdade.

Será que algum dia iremos parar de matar tantas borboletas?

Palavras fugidiasOnde histórias criam vida. Descubra agora