O homem dos risos

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Os pés então estavam no palco, Érico passou os olhos por todos os rostos no lugar. Riam, sorriam. Riam, sorriam. Riam, sorriam. Seu nariz vermelho era a armadura mais inquebrável que possuía. Toda a maquiagem o salvava, as roupas coloridas, os sapatos gigantes.

Todos os sorrisos alagarvam-se, menos o dele. Érico tinha suas mil dores transfiguradas em comédia, tudo era sempre alegria. Era o palhaço, o humorista, o ator. Um poeta fingidor, como escrevera Pessoa.

As risadas se distanciavam enquanto o homem Érico se afastava do picadeiro e rasgava as cortinas, corria com o fôlego esgotado, fugia. Arrancou os sapatos e os largou no meio da rua. Era então o jovem Érico, cheio de tristezas malditas, o cheiro da fumaça acumulada na carne.

A maquiagem diluiu com as lágrimas, os gritos saíram pelos lábios e ele não era mais sorrisos. Tudo caíu aos seus pés enquanto corria. As máscaras intocadas se partiram. E assim era a criança Érico, envolto em esperanças e machucados efêmeros na pele, não na alma. Pois, veja bem, machucados na alma recusam a efemeridade.

Seus vários "eu" correram com ele pelas ruas noturnas, os do passado e os do futuro. Aquela era a merda da tristeza que a vida lhe dava de presente todos os dias. O amargor espalhou-se pela poesia que congelava e motivava.

Estava diante do rio, o reflexo cru da noite o revelava como uma pintura inexpressiva. Os dedos caíram sobre o bolso, o som ecoou, ninguém ouviu. O corpo de Érico tilintou na água, sorrateiro e preciso. Talvez encontrassem-no no dia seguinte, junto a suas tristezas silenciosas.

Quem sabe descobririam que o homem dos risos, nunca fora o homem dos risos.

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⏰ Última atualização: Jul 22, 2016 ⏰

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