Passei os próximos dias em casa. Retirei todos os retratos da parede, mudei o plano de fundo do meu celular, coloquei todas as cartas em uma caixa, que ganhou um lugar especial no fundo do meu guarda-roupa. Encontrei um refúgio nos estudos, e na minha grande vontade de mudar de vida, de sair dali.
Não é que eu não gostasse de minha cidade. É só que nada nunca acontecia ali. Todo dia, as pessoas de sempre, fazendo a mesma coisa de sempre. Meus pais cuidando da pequena fazenda, os vizinhos que não deixavam um detalhe da minha vida passar despercebido e as crianças, que ainda brincavam alegremente, sem se dar conta de que se divertiam na prisão.
Foquei nos meus estudos, passei a sair cada vez menos, me segurando toda vez que caia na tentação de enviar uma mensagem para ela. Como eu disse, foi a primeira vez que tive o (des)prazer de sentir a dor de um coração partido. E eu fiz jus a minha dor. Passei por todos os estágios.
Bom, nas terceira semana, no 17º dia, para ser mais exato, eu mergulhei no primeiro estágio.
Negação
Me levantei no meio da noite, mais uma vez sem conseguir dormir. Esbarrei no copo que deixava ao lado da minha cabeceira, que caiu no chão e se quebrou em mil pedaços. Liguei a luz, e com cuidado me abaixei para retirar os cacos de vidro de perto da minha cama. Foi então que eu vi, ali, embaixo da cama, entre a cabeceira e uma caixa velha de sapatos a foto dela. E não foi qualquer foto. A nossa primeira foto. Ela estava com os cabelos soltos, perfeitamente alinhados como sempre, e um sorriso despretensioso, olhando para o lado. Eu estava com os braços em sua volta, fazendo a única coisa que fiz bem nos últimos anos: admira-la.
Foi então que me dei conta. Não podia acabar assim. Nossa história era bonita demais pra acabar assim, de uma hora pra outra. Não houve traição, brigas constantes, nenhum motivo que justificasse o fim. Se isso não era um sinal de que o fim estava longe, não sei o que era.
Abri meu laptop, sentei na cama, e procurei pelo perfil dela no facebook. Ela já tinha excluído todas as nossas fotos juntos, e trocou a foto de perfil por uma só dela (que já contava com várias curtidas). Cliquei no ícone de mensagem, e comecei a digitar. Sempre fui muito prolixo, nunca soube dizer em poucas palavras o que eu sentia. Comecei a digitar, procurando pelas palavras certas par explicar que não era o fim. Vinte, trinta, cinquenta minutos se passaram, e eu estava lá, tentando descrever minuciosamente a minha dor. Li e reli mil vezes, para me certificar de que a mensagem expressava o que eu queria de fato: tê-la de volta. Cliquei em enviar e adormeci.
Raiva:
Naquela mesma madrugada, a mais longa de minha vida até então, acordei novamente algumas horas depois. Peguei meu laptop e chequei a mensagem, só pra ver que ela tinha visualizado, mas não se dera ao trabalho de responder . Algo se quebrou dentro de mim. Eu tinha entendido a necessidade dela de seguir em frente. Só não entendi a pressa dela de não poder me esperar. Decidi deixá-la para trás de uma vez por todas. Peguei as cartas, coloquei todas em um saco plástico e rasguei. Rasguei uma por uma, até que cada declaração fosse se transformando em frases soltas, depois em palavras, depois em letras, depois somente em símbolos irreconhecíveis.
Barganha: Me recompus e voltei para a cama. Eu merecia mais. E não iria aceitar tão pouco. Afinal, eu não era mesmo tão mal. Era alto, cabelos pretos, moreno. Mais magro do que gostaria.
Depressão
Acordei na manhã seguinte cansado, nem meus sonhos me deixaram em paz. Fui ao banheiro, lavei e o rosto, e ao voltar para o meu quarto ouvi meu celular vibrando. Desbloqueei a tela depois de errar a senha quatro vezes. E lá estava, a foto dela na frente, sinalizando uma nova notificação. Respirei e abri a mensagem:
"O que passou passou. Não volta mais."
Talvez tenha sido a crueldade com que ela escolheu as palavras, mas no momento que as li, meu mundo desabou. Um simples não teria sido suficiente, mas ela fez questão de não só fechar a porta agora, como também jogar a chave fora, e deixar claro que está fechada para sempre.
Passei os próximos três dias dentro do meu quarto, saboreando a dor, afinal no momento era tudo o que restava dela.
Aceitação:
Ela não precisou dizer mais nada. Ficou claro pra mim que era o fim. E talvez a oportunidade de começar de novo. Voltei a sair de vez enquanto, e passeis a ver meus poucos amigos (Kevin, e Ruan) mais frequentemente. Foquei 100% nos estudos. Estava no sexto período de dez, e se eu me esforçasse, em um ano e meio eu estaria livre. Livre como ela sempre esteve.
Não sei bem se esse é o tipo de decisão que se toma em sã consciência, mas eu decidi: Não iria me apaixonar novamente tão cedo. Não estava disposto a ficar vulnerável assim novamente.
E consegui. Passei os próximos 6 meses bem. Me divertia quando podia, estudava na maior parte do tempo. Tudo certo. Tudo em seu lugar. Até que minha mãe me pediu para comprar leite no mercado da esquina. Isso mesmo. Um litro de leite que custa 3 reais mudou minha vida, pra sempre. Sai de casa, vestindo uma bermuda velha, e uma blusa regata preta, que realça o quão magro eu sou. Foi então que eu a vi. Sentada na calçada, com um sorriso no rosto, acariciando um cachorro de rua. Em pleno verão, lá estava ela, usando uma meia calça preta, blusa de mangas longas, e um cachecol amarelo. Ela não era dali. Mas foi ali, naquela esquina, que minha calmaria acabou. É. O fim e o começo nem sempre estão pontualmente determinados na linha do tempo. As vezes eles se confundem.
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Afinal, não há final.
RomansDavid é um rapaz simples, que via nos estudos sua grande oportunidade de mudar de vida. Vivia numa pacata cidade, em que nada nunca acontecia. Sonhava em ir embora, qualquer lugar longe dali. Qualquer lugar como os que ele via na TV. Qualquer lugar...