Capítulo 16

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Eduardo sentou-se ao lado de Açucena no fundo da embarcação, mas, durante todo o percurso, ela manteve-se muito quieta, fria, respondendo às suas tentativas de iniciar uma conversa com respostas monossilábicas e sem lhe dirigir diretamente o olhar

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Eduardo sentou-se ao lado de Açucena no fundo da embarcação, mas, durante todo o percurso, ela manteve-se muito quieta, fria, respondendo às suas tentativas de iniciar uma conversa com respostas monossilábicas e sem lhe dirigir diretamente o olhar. Fingia-se atenta ao entusiasmado Jurandir que, em pé e de frente com os excursionistas, explicava, em detalhes, sobre o ritual das tucandeiras:

— ...Um dia antes da cerimônia, todos da comunidade escolhida para essa grande festa, trabalham na preparação dos festejos. Primeiro, com a captura das formigas vivas em folhas do caju-branco, que tem efeito anestesiante...

Uma mulher de cabelos muito claros e rosto sardento interrompeu a fala de Jurandir para mostrar um pequeno grupo de botos próximo à embarcação. Ele lançou um olhar meio desolado para Açucena, aquela era a terceira vez que era interrompido em um curto intervalo de tempo. Mas ela somente lhe fez um sinal para aguardar que o foco dos visitantes retornasse para ele.

Eventos como a Festa da Tocandira sempre atraiam desde turistas comuns, brasileiros e estrangeiros, a pesquisadores, estudantes e professores. Sendo que, apesar do grupo daquele dia ser formado, majoritariamente, por pesquisadores portugueses, e de alguns não estarem ali pela primeira vez, a curiosidade por tudo o que acontecia ao redor era imensa, por isso os visitantes faziam questão de registrar tudo o que viam pela frente, com suas câmeras e celulares.

Jurandir aguardou, então, por alguns minutos, para retomar à explicação:

— Quando estão adormecidas, as formigas são postas nas luvas feitas de palhas, com a cabeça para fora e o ferrão para dentro, na parte interna. Mas antes das luvas serem colocadas nas mãos do indígena, as tucandeiras recebem uma baforada de tabaco, para despertar as que ainda estiverem adormecidas...

Uma nova interrupção. Desta vez, por um homem de rosto redondo e óculos de grau com lentes grossas, de aproximadamente cinquenta anos de idade, que, desde o início da viagem, gravava tudo o que via pela frente através da câmera de um telefone celular de última geração.

— É verdade que o ritual das tucandeiras pode ser entendido, também, como medida profilática? — perguntou e estendeu o celular na direção de Raoni, para capturar melhor o som de sua voz.

Esse tipo de interrupção não desagradava a Jurandir. Ao contrário, ele respondia com prazer:

— Sim. As ferroadas fazem bem pra nós. Pra ter saúde, ser bom caçador, pescador e também curar doenças — explicou. Em seguida, continuou o seu relato: — No dia do ritual, os homens organizam o terreiro e montam a fogueira para assar os peixes e outras iguarias, enquanto as mulheres decoram o local com frutos coloridos coletados na floresta. Os jovens guerreiros preparam o jenipapo para pintarem os braços e mãos que, depois, irão ser calçados pelas luvas. Após passar pela prova, os ferroados receberão o carinho e os cuidados da cunhã que lhe escolher durante o ritual, e, na maioria das vezes, dessa relação de carinho, cuidado e intimidades é que se formam os casais.

Corações Selvagens (Capítulos para degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora