O bibliotecário de Salé

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A Salé das luzes noturnas, das palmeiras artificiais e da maresia intoxicada formava uma paisagem borbulhante na feira praiana e perene perto da foz do rio Bu Regregue. Quando a noite chegava toda a sorte de gangues, peregrinos, nômades, terroristas, agentes federais marroquinos e franceses disfarçados, simplesmente apareciam como se nunca houvessem saído dali.

Apesar da morte sempre a espreita na noite de Salé, a vida continuava, como os bazares da feira que nunca acabava. Nelas haviam estabelecimentos lotados de artigos como pimenta, tapetes, corantes, gafanhotos secos, lagartos embalsamados, até implantes cirúrgicos variados de memória, simulações e treinamentos em guerrilha cibernética e dispensers intracranianos de drogas sintéticas.

Em meio à efervescência da noite Sebastian Dudek, agente do serviço de informações francês, circulava com falsa descontração, seguindo dois turistas suspeitos. Só a presença frívola de jovens franceses querendo diversão perigosa, já o deixava de mal humor. Lembrava das férias que não tirava há dois anos e da esposa o culpando por isso.

O casal era jovem, de corpos bronzeados, camisas com transparências e o caminhar descontraído dos namorados. Eles pararam em uma barraca de tapetes e conversaram rapidamente com o atendente adentrando as pilhas abarrotadas saindo de sua vista.

Bastian entrou em alerta, porém nada fez de imediato. Já havia recebido uma dica de um casal de turistas que seriam membros dos Piratas do Salé. Um grupo de hackers árabes suspeito de auxiliar o terrorismo. Andou mais alguns passos e parou numa barraca de chá próxima. Pediu chá verde com menta. Ela já vinha com bastante açúcar, o que ajudava Bastian a se acalmar. Enquanto a bebida era servida ligou o para um número e esperou a ligação se efetuar. Aguardou um longo minuto pela resposta. Imaginou a chamada chegando ao terminal da agência em Paris depois de rebater em mais de dez lugares no mundo para embaralhar o sinal. Contudo o sinal verde para a operação não retornava assim tão fácil, nem com a mesma velocidade. Passado um longo minuto, seu aparelho apitou e finalmente ouviu alguém atender.

— Alô Nícolas! Como vai amigo? — Era a voz do chefe da seção do Magreb.

— Estou fazendo compras aqui na feira de Salé, vai querer levar alguma coisa? Tem uns tapetes que eu vi aqui. São exatamente do tipo que estava procurando, lembra? - Bastian falava bem alto para alimentar seu disfarce.

— Aqueles que eu procuro faz tempo? Sim, claro. Tá com o orçamento que eu lhe dei ai não é?

— Sim. É o último bazar de tapetes que me faltava ver.

— Então Nicolás, pode comprar. Quatro carregadores, para levar o tapete até a transportadora está bom ou vai precisar de mais?

— Só quatro, Charlie.

— Ok. Faça esse favor... espera ai Nícolas. E o bibliotecário? Você achou ele? Você não pode voltar sem nada dele.

— Se não souberem dele nesta loja, ninguém nessa cidade sabe.

— Entendido, Nicolás. Faça esse favor para mim, então. Um abraço.

— Um abraço, Charlie. Qualquer coisa te ligo de volta.

Bastian não sabia exatamente o quanto daquele teatro era precaução e quanto era tradição. Todavia era o protocolo. Desligou o telefone e tomou o seu chá. Estava contando que os turistas iam demorar o suficiente para a equipe tática chegasse a tempo. Seu aparelho apitou suavemente viu a mensagem gráfica em sua tela dizendo: "8 minutos". Guardou o telefone de volta no bolso. Tentou disfarçar seus olhos vidrados na movimentação da banca em sua frente. Quando já havia se passado metade do tempo, sentou-se um sujeito magro ao lado de Bastian, que o deixou nervoso com a presença do colega da agência.

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