Afire Love - @LikeRavena

131 22 1
                                    

"Although my grandma used to say
That he used to sing
'Darling, hold me in your arms the way you did last night
And we'll lie inside for a little while, here oh
I could look into your eyes until the sun comes up
And we're wrapped in light, in life, in love'."

"E minha avó dizia que ele costumava falar: 'Querida, me segure em seus braços como você fez na última noite. Vamos descansar aqui por um tempo, eu poderia olhar em seus olhos até o nascer do sol. Estamos envolvidos pela luz, pela vida, pelo amor'."

xxx

Observar o céu nunca fora tão doloroso.

Ele ainda era o mesmo, com sua mescla de colorações azuis ruidosas. O sol não deu as caras, devia estar escondido nas sombras do continente vizinho, ele pensou. As nuvens estavam soltas por toda a imensidão, como músicos de uma orquestra. Se fechasse os olhos com força o suficiente, até conseguiria ouvir a música triste que todo aquele espetáculo ressoava.

Mas ainda era doloroso. Encará-lo trazia de volta memórias enterradas em seu âmago. Uma dor invisível que ultrapassava qualquer dor física que já sentira; nem mesmo quando havia quebrado o braço aos dez anos de idade, ou quando cortara o joelho e levara vários pontos aos quatorze.

Encostado no parapeito da grande casa, a claridade sublinhava as feições do rapaz que possuía olheiras profundas demais para sua pouca idade.

Ao olhar-se no espelho naqueles últimos tempos, ainda não era capaz de constatar se eram causadas pelas noites insones ou pelo excesso de cigarros que tanto lhe dava trabalho esconder dos familiares.

Apoiou as mãos na cabeça, mais desorientado do que jamais esteve.

Parecia se encontrar em uma cidade onde nunca antes colocara os pés, um estrangeiro perdido na multidão, sem saber comunicar-se com os outros seres humanos que encontrava pelo caminho.

E ali estava o céu, ainda transmitindo lembranças através de uma melodia silenciosa.

Estava tão imerso em ondas amargas de nostalgia, que nem sequer percebeu a figura familiar de cabelos pálidos aproximar-se até que ela tocasse sua omoplata de forma acalentadora.

— Vovó? — Ele franziu o cenho, relaxando a expressão ao encontrar os olhos calejados e cinzentos da senhora ao seu lado.

— Como percebeu que era eu?

— O perfume —, respondeu suavemente — camomila e notas de jabuticaba.

A velha senhora, por um instante, sorriu.

— Você ainda é o mesmo, Steve. Ainda tem a alma de um garotinho.

Ele passou um dos braços magros ao redor da extrutura suave e frágil da avó. Podia sentir o tecido aveludado do casaco que ela trajava sob sua pele.

Ela inclinou a cabeça e encostou-a no ombro do neto, as pálpebras que carregava, apesar de evelhecidas, eram ainda adoráveis. Ao observá-la fechar os olhos e passar os dedos finos ao redor do casaco, percebeu que tudo nela era adorável.

Uma inconstância de sensações divergentes o fizeram estremecer de repente. Tudo o que acontecera era tão injusto que parecia não haver uma forma de consolar-se; e talvez não houvesse.

Seu avô, um velho homem com a alma mais jovem que a dele, havia deixado a vida na tarde anterior àquele dia. Ele que o apresentara às diversas constelações, ele que o ensinara a admirar o céu e tudo o que existia depois dele.

O que mais o cortava, tão afiado quanto um canivete recém-adquirido, era saber que todas aquelas memórias esvairam-se do que existia no avô. Ele o encarara nos olhos, como sempre fizera, e dizia nunca ter o visto. Encarava a doce mulher que se encontrava ao seu lado e dizia não conhecê-la.

Era o mesmo que morrer só. Era o mesmo que morrer sem ter vivido.

Sem que pudesse perceber, já havia começado a tremer como se fosse feito de algo que pudesse diluir.

— Querido, está tudo bem?

A avó desenconstou a cabeça do ombro do rapaz furtivamente, levantando seu rosto para que ele a encarasse.

— Acho que não. Acho que nunca mais ficará tudo bem, vovó.

— Tenho a impressão de que você está sofrendo mais do que todos nós. E acho que está. O que tanto atormenta você, Steve?

O rapaz afastou-se alguns centímetros da avó. Sentia uma área muito conflitante e confusa sendo invadida.

— Presumo que já sei o que é. — ela murmurou, o som quase inaudível. — Você não sabe que no começo de tudo, quando descobrimos que estava doente, ele estava plenamente lúcido, sabe?

Ele balançou a cabeça, esmagando os lábios um contra o outro, deixando-os esbranquiçados.

— Ele estava. Sabia de tudo que viria a acontecer.

— Sabia que não lembraria do rosto de ninguém que já havia conhecido? Nem mesmo do seu?

— Sabia, Steve. Ele sabia de tudo. — ela aproximou-se do neto outra vez, passando os dedos por seus cabelos sem corte. — E mesmo assim, o pouco tempo que ficou comigo ao saber da doença fora a época mais bonita de nossas vidas.

— Mas ele iria esquecer-se de tudo, vovó! E esqueceu. Aconteceu de verdade.

— Mas fomos felizes. Acredite, filho. Fomos muito felizes. — murmurou a senhora. — Lembro de deitar no ombro dele e me sentir jovem outra vez. Antes era só um coração batendo, mas durante aquele tempo eu estava viva. Não me senti um estorvo.

— Não se incomoda nem um pouco em saber que ele não lembrava de nada?

— Acho que ele lembrava. Não o cérebro, mas o que é o cérebro? Apenas um orgão frágil. Mas aposto todas as minhas fichas que a alma dele lembrava.

Ainda um tanto confuso, o garoto acenou com a cabeça, buscando compreender o que ela dizia.

— A senhora acha que... nesse meio tempo, ele lembrava de mim? Do tempo em que eu era criança?

— Claro que lembrava, Steve. Mas como ele não lembraria? Acho que ele sentia a alma bonita que você possui. E olha que de alma, eu entendo.

O olhar do rapaz voltou-se para o céu, um tanto escurecido pelo tempo que passara. Alguns minutos depois, sua voz entoou:

— Tem razão, vovó. Sei que você entende.

Um sorriso explodiu calmamente por seu rosto, enfeitando suas feições exaustas. Pôde sentir quando algo resplandeceu, diminuindo a dor que antes o impedia de respirar tranquilamente.

likeravena

The Multiply ExperienceOnde histórias criam vida. Descubra agora