Só havia a estrada. Atrás deles erguia-se como um gordo verme etéreo, uma coluna de fumaça imensa. O incêndio rugia e a madeira crepitava enquanto devorava tudo que aqueles homens um dia haviam conhecido como seu lar. À frente deles um futuro incerto, provavelmente perigoso, talvez até letal. Mas de nada eles sabiam sobre o que viria, nem tinham como resgatar o que estava queimando no passado. Então só havia a estrada.
Seguiam a trilha em silêncio, trocavam algumas palavras aqui e ali, mas no geral estavam todos abalados. Mais de um deles perdera a esposa, filhos, a família toda até os avós. Todos perderam os amigos, excluindo eles mesmos. O que todos se perguntavam em silêncio enquanto caminhavam, era quanto tempo levaria até que perdessem suas almas.
— Ainda falta muito? — Danyllo perguntou pela enésima vez.
— Nós já chegamos, não está vendo? Olha todos esses orcs invisíveis à nossa volta! — Respondeu Legobert.
— Mais uma hora no máximo. — Xarly ignorou os outros dois se alfinetando.
No final do cortejo, havia uma comoção silenciosa. Caminhavam com as cabeças juntas Caranicolov, Texor e Gordon, conversando intensamente e gesticulando entre si. Sobre o que quer que falassem, parecia sério e aos poucos todos voltaram sua atenção para os três, que concentrados não perceberam imediatamente a atenção recebida.
— Porque as cabeças foram levadas? — Gordon seguia dizendo. — Decapitar alguém é rápido e brutal. Sujo, mas eficiente. O chão estava inundado de sangue, logo as cabeças não foram levadas pra deixar tudo arrumado. Então por que leva-las?
— Você acha que faz alguma diferença? — Texor incrédulo.
— Talvez faça. Podem ser troféus. — Caranicolov.
— Existem troféus menores. Seria mais fácil carregar mil e oitocentos dentes, orelhas ou olhos do que mil e oitocentas cabeças. — Rebateu Texor.
— As cabeças tem algum significado. — Gordon concluiu.
— Ou alguma função. — Acrescentou Texor.
O silêncio os fez perceber que todos os olhavam, constrangidos os três abandonaram o tema macabro e continuaram caminhando em silêncio.
À frente já era possível enxergar o monte Cérbero, pequeno demais para ser chamado de montanha, mas sendo o único pico da região, se destacava na paisagem. Era usado como referência, fosse no mar ou em terra, e era habitado pelos orcs de Ugrut, a cidade sob a montanha.
Os orcs não eram amistosos, mas estavam longe de serem inimigos. Mantinham relações de comércio com todas as cidades e vilarejos vizinhos ao monte, vendendo minérios em troca de outras comodidades. Eram conhecidos pelos seus finos trabalhos em pedra e metal e por serem negociantes honestos.
A estrada até Ugrut era pavimentada com pedras, sinalizada, bem preservada e considerada segura. Afinal, poucos bandidos tinham coragem de tentar qualquer coisa numa estrada entre uma cidade orc e uma cidade cheia de bárbaros. Não havia movimentação nenhuma na estrada àquela hora da manhã, o sol ainda clareando aos poucos o céu noturno ao leste.
Chegando à base do monte, Xarly e Texor se puseram a procurar pela entrada para Ugrut entre as rochas e levaram cerca de cinco minutos até conseguirem. A porta era baixa, com batente de pedra e entalhes angulosos. Levava a um corredor escuro, que depois das tochas acesas, se revelava longo até perder de vista. Eles se embrenharam no túnel aos pares, com tochas no primeiro e no último par.
O túnel descia levemente e depois de alguns minutos caminhando já era perceptível que o caminho levava cada vez mais para baixo do monte. O ar era um pouco mais pesado lá embaixo, com um cheiro leve de poeira e mofo. Entre os sons das botas pesadas e das tochas crepitando, não se ouvia absolutamente mais nada.
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Barbaric
AdventureOito guerreiros voltam para sua cidade natal, somente para encontra-la devastada. Eles partem então numa investigação através de uma terra fantástica para descobrir quem e por que atacou sua vila. Contando apenas com sua proeza marcial e a amizade u...