2° Noite

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Abri meus olhos, havia esquecido a porta do quarto aberta quando fui dormir, mas, a luz do corredor estava apagada, e não tinha vestigio de luminosidade em área alguma. Só que, eu podia escutar uns barulhos vindos da parte de baixo da casa.

Saí da cama, fui em direção ao corredor, mas não havia nada, só o estranho barulho, e pensei em ver se Alice estava bem, ela sempre era minha primeira preocupação, quando cheguei ao seu quarto, acendi a luz, e meu coração começou a bater mais rápido, com extrema velocidade, preocupação preencheu meu corpo, meus dedos se paralisaram, comecei a respirar pela boca, podia ouvir o som da minha respiração e do bater de meu coração.

Rapidamente, meus pés se viraram de volta ao corredor, e apressaram os passos, com velocidade impressionante, não acreditava no estado do qual estava o quarto de minha pequena irmã, tão delicada. A cama estava com o colçhão aberto, espuma branca espalhada pelo quarto, os travesseiros, cada um aberto, com arranhões de unhas, e jogados nas extremidades do quarto,os quadros nas paredes, ou estavam com o vidro quebrado ou stavam jogados no chão, o armário estava escancarado, havia roupas, também espalhadas pelo chão do quarto. A única coisa que me pareceu intocada, era seu coelhinho de pelúcia, que ela ganhou de tia Mary, no aniversário deste ano, quando minha pequenina, completou 10 anos.

Comecei a descer as escadas, para o primeiro andar, o barulho de coisas sendo quebradas era intenso, não havia um minuto de silêncio, podia ouvir baques de algo sendo jogado ao chão, coisas de vidro ou de madeira. Cheguei na parte de baixo da casa, e meus olhos se arregalaram, estava tudo destruído, pelo menos boa parte da sala de visitas da casa.

O sofá, quase todo rasgado, com o que pareciam marcas de faca, caminhei, olhando para as paredes, que estavam gravemente arranhadas, e encarei um dos porta-retratos na parede, por um momento, minhas pernas perderam a estabilidade, e eu fui ao chão, causando grande barulho, eu tinha visto o quadro de família, em que estava eu, Alice, papai e mamãe, com o rosto dos últimos dois manchados de algo tão vivido, tão intenso, tão assombroso, manchados de sangue.

Estirada ao chão, com uma respiração entre-cortada e com lágrimas de choro presas aos olhos, ouvi passos baixos se aproximando, não eram de muitas pessoas, não imagina mais que um batalhão de homens estranhos e sem caráter haviam invadido a casa, não agora eu pensava em algo pior, algo mais profundo e mais devastador para meu físico e para minha alma.

Quando olhei para cima, para o fim do corredor, minha pequena irmã, estava lá com uma faca na mão, e tinha seu vestidinho branco, manchado de algo vermelho, ela não parecia estar machucada, não sabia da onde vinha tanto vermelho, mas estava tomando pavor a esta cor, a sua intensidade, sua clareza, sua particularidade, não me lembravam nada que fosse bom.

Minha irmã me encarava, ao fundo do corredor, com a cozinha revirada como seu plano de fundo. E atrás dela, o corpo de nosso querido e brincalhão, cão, Spoc, ao chão, aberto, e transbordando sangue.

- O que é tudo isso? - eu perguntei a ela, com a voz tremendo, e prendendo as lágrimas.

- Isso é o que o papai fez. Papai matou a mamãe.

" Oh! Não, de novo não."

A algum tempo Alice, acordava as noites, com os pesadelos querendo que eu salvasse a mamãe, a uns 4 meses, ela acordou e pediu que eu matasse o papai, ela disse que papai a visitava, que ele a atormentava, que ela não podia dormir, que ele chegava para fazê-la acordar.

Eu sempre achei que era apenas saudades, que era um modo obscuro de não aceitar a morte do papai, nesses meses, eu imaginei que ela tivesse superado a morte da mamãe, pois ela só falou do papai, pois ela só me pedia para afastá-lo dela, como se quisesse ajuda para deixá-lo ir. Eu não pensei que seus pesadelos chegariam tão longe.

- Alice. - sussurei - Pequena, escute-me, não foi o papai, tudo bem? - esperei um pouco para que ela respondesse, mas ela nada disse - Pequena, o papai nunca mais vai voltar, agora ele está num lugar melhor.

Sem atos precedentes, ela se sentou de pernas cruzadas no chão de porcelanato frio, pôs a faca ao seu lado, e abaixou sua cabeça, seus cabelos castanhos, que agoram estavam quase na cintura, cobriram sua delicada face infantil, ouvi seus baixos soluços, quando ela tinha pesadelos, independente de com quem ou o que fosse, ela acordava chorando, e seus soluços eram únicos para os meus ouvidos, eles eram suaves e muitas vezes similavam aos seus soluços de tristeza.

Como boa irmã que era, não consegui vê-la no chão, desamparada, tive de ir a seu lado e lhe abraçar. Nessa hora, deixei que as lágrimas que segurava, molhassem meu rosto. Afaguei seus cabelos e lhe disse:

- Eu estou aqui, tudo vai ficar bem.

Entre Nosso SangueWhere stories live. Discover now