Quarto Minguante - Parte 1

99 8 1
                                    

Gostaria de dizer que tenho apenas uma amiga, a madrugada, que fazemos companhia um para o outro nas horas mais escuras da noite. Que somos dois solitários, fazendo nossas presas, mas nada disso seria verdade. Não sou um inimigo do meu próprio sono, artista sem horários ou viciado em séries. Em todos os outros dias do mês, quando a lua não é minguante, eu sou uma pessoa comum. Vivo o sonho de todo mocinho e mocinha de livros de fantasia infanto-juvenil. Tenho minha vida ordinária, fora de todos os problemas que se esconde na parte menos normal do mundo.

Tomo leite com café no café da manhã, como arroz e feijão praticamente todo santo dia, e enfrento a vida que tenho. Começo a comer a coxinha pela ponta e gosto de pastel de vento, às vezes como salada, sempre como carne. Já tentei ser vegetariano, mas não deu certo. E era hipócrita, se não irônico, para ser sincero.

Posso ser um pouco dramático, por isso em noites de lua minguante, eu sempre uso a madrugada e faço dela minha única e eterna amiga. A eternidade dura até que o sol nasce. Respiro a solidão que sua companhia me traz e aproveito do mistério, enquanto caminho, sem nunca saber quem será o escolhido. Se será a próxima pessoa que eu encontrar cambaleando pela rua, ou aquela que quer apenas chegar em casa ou a que não sabe porque está tão longe de lá.

Minha amiga eterna também gosta de um toque teatral, se quer saber. Gosta do ar melancólico que as pessoas usam ao falar dela, dos dramas ambientados nas horas mais sombrias no cinema. Das surpresas e reviravoltas que todo mundo espera quando vira a noite com a pessoa pela qual é apaixonada platonicamente. Dos segredos compartilhados nas conversas sóbrias ou bêbadas, quando já não se pensa tão bem quanto quando o sol com sua luz irritante está alto e nunca é seguro revelar os segredos que gostam dos cantos obscuros.

Hoje nós estaremos juntos. Ou eu é que estarei com ela somente, enquanto ela se espalha hemisfério a fora. Mas ainda é cedo, ela nunca se atrasa, no entanto eu sempre chego antes da hora. Ainda sóbrio demais, sem o sono cobrando minha dívida e me fazendo não pensar bem.

O relógio marca meia noite e dois. Cada minuto agora se arrasta mais devagar, faz uma hora que olhei para o relógio e eram vinte e três e quarenta e dois.

As batatas que pedi já estão murchas, eu me levanto e peço um Mc-qualquer-coisa, recuso as batatas fritas por um real a mais.

Meia noite e seis.

Quarto MinguanteOnde histórias criam vida. Descubra agora