Quarto Minguante - Parte 2

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MANUELA

Eu estava me decidindo se já havia contado mais mentira para mim mesma ou para os outros ao longo dos meus vinte e poucos — a idade das possibilidades — já que Duda estava atrasada e eu era obrigada a esperar. Uma lista no guardanapo com uma caneta que achei no lado negro da minha bolsa, estava ajudando a me decidir.

Para os outros houveram as mentiras do porquê não tinha enviado a minha parte do trabalho ainda. As de com quem estava trocando mensagens. Quem foi na festa na casa da fulaninha. Que meu celular tinha quebrado por puro acidente. Que não tinha acabado com o sorvete. Nem com o brigadeiro na geladeira. Que não tinha provado cerveja antes dos dezoito, que passava fio dental mesmo quando estava bêbada de sono, que não ia para academia porque não tinha como ter o dinheiro...

Já para mim mesma havia as de quando me convencia de que não tinha estudado por falta de tempo, de que guardaria o pote de sorvete para quando a amiga da vizinha da mãe viesse fazer uma visitinha, e que não acabaria servindo só um suco ou oferecendo água. Que só um pedaço de torta de frango do bar da esquina seria suficiente. De que alguns beijos bem dados compensavam o fato de que as conversas com aquela ficante de um mês davam sono, de que as coisas com aquela garota poderiam ficar bem, mesmo que além de ainda estar no armário metafórico, o que já traria problemas cedo ou tarde, também era pé no saco...

Mas as que começaram minha lista eram as duas seguintes:

Está tudo bem nos encontrarmos no McDonald's novo tarde da noite, depois de ir na faculdade e terminar com a pé no saco — um alívio.

Não sentirei o peso de cada minuto de sono perdido no dia seguinte e está tudo bem o atraso, afinal, nem tudo pode ser evitado por nós meros mortais.

Ok, a última parte era bem verdade, e tinha me custado um espaço bom de guardanapo... droga.

Acabo concluindo que o problema das mentiras que contamos para nós mesmos é que não nos damos conta da maioria delas. Porque ninguém é tão trouxa assim, ou eu acredito que não pode ser.

Declaro a competição empatada.

A próxima pessoa que entra no McDonald's, é Duda. Os cabelos escuros amassados em direção ao lado direito me dizem que ela não está e um bom dia. Quando chega na minha mesa percebo os olhos um pouco vermelhos, quase penso que é de sono, mas é óbvio que não. Conheço a cara de sono dela e não é essa. No entanto, não pergunto o motivo do choro, só digo o "e aí?" de sempre.

— E aí? — responde — estou morta de fome — reclama. Duda deixa a bolsa na cadeira da minha frente e pega a carteira. Novamente, eu sou obrigada a esperar mais um pouco enquanto ela vai fazer nossos pedidos — de acordo com nossa regra ela me deve uma refeição por causa do atraso. Vão oito minutos até ela voltar com minhas batatas fritas e um milk-shake e um Big Mac para ela.

— Acho que a moça no caixa fazia seu estilo. — Comenta enquanto arruma seu lanche.

— A de cabelo cortado curtinho?

—Isso!

— Ela é meu estilo. — Digo mesmo que esteja comendo.

— Mas ela...

— Namora, eu vi.

Tenho de esperar ela acabar de mastigar para continuarmos a conversa.

— Você pelo jeito não tem mais um...

— Um o quê? Caixa? Não, acho que nunca tive se você quer saber, porque roubar...

Duda revira os olhos. — Namoro.

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