Leio e releio suas letras delineadas, esperando encontrar algum registro sobre a primeira vez em que soube o que era; algum guia de como prosseguir. Infelizmente, devo confiar em minha memória que diz que para ela – e eu quase posso ouvir sua voz enquanto fala – isto fez tanto sentido quanto um sol brilhando à noite.
--Trechos de um diário esquecido--
CAPÍTULO 02
Nuary quase não conseguiu impedir que a irmã caísse, ajoelhando com o peso repentino. Por alguns segundos, tudo que pôde perceber foi sua própria respiração errática. E então um zumbido agudo preencheu seu ouvido e seu coração disparou em seu peito. Olhou sua mão, com uma fina cicatriz, chacoalhou Sabrina e procurou algo ou alguém ao redor com a visão turva.
Tantas coisas lhe deixavam confusa e em pânico que mal conseguia focar em apenas uma. O que acabou de acontecer? Como ela tinha conseguido entender o que Yphera havia dito se não era asveniano? Lágrimas escorreram quando o zumbido se transformou em dor e se expandiu por sua cabeça. Gritou e uma imagem lhe preencheu a mente: uma mulher de cabelos castanhos e ondulados, olhando para ela com olhos tristes e segurando a mão machucada da irmã, reluzindo.
Soluçou, sentindo o peito apertar com o desespero da ignorância.
— Nuary?!
A moça se virou para a porta e a visão da triste mulher se desfez para mostrar uma outra pessoa, mais velha, com cabelos cor-de-palha, que deixava cair uma caixa de ferramentas. Lorela.
— Mãe... – Nuary chamou soluçando, sem conseguir conter o choro e o desespero.
— O que aconteceu?! – Indagou, ela. Nuary balançou a cabeça sem saber como explicar.
Lorela se apressou para ela, ajudando-a a deitar Yphera propriamente. Nuary a abraçou apertado.
— Conta pra mim o que houve, querida...
Nuary começou a balbuciar sem conseguir realmente formar palavras, em choque. Como podia explicar o que mal entendia? Não conte nada, pensou, de repente. Seus olhos arregalaram e Nuary engoliu um soluço. Sua mãe apertou os lábios, preocupada, mas virou para checar o estado da irmã. Nuary levantou com o pretexto de pegar um copo d'água.
Não havia sido sua voz em sua mente, não parecia sequer sua língua. Alguém está na minha mente? Pensou, receosa. Exatamente, ouviu como resposta. Nuary mordeu o lábio inferior, contendo um grito de medo. Você se arrependerá se contar qualquer coisa. Não conte. Nuary forçou um gole de água pela garganta e tentou respirar.
Sua mãe se virou para ela, esperando ter uma resposta agora que a filha parecia ter parado de chorar.
— Eu não sei... – Respondeu, com a voz trêmula e baixa. – Ela reclamou de tontura... Acho que ela não comeu direito... E ficou muito tempo sob o sol... A gente estava conversando quando ela desmaiou...
A mãe assentiu, como se aquilo bastasse para ela. Nuary mordeu novamente o lábio, sem entender o que a mãe poderia ter compreendido, quando mal conseguiu formar uma ideia concreta. Lorela respirou fundo e fez sinal para que Nuary ajudasse a carregar Yphera. Levaram-na até a cama.
— Traga um pano úmido e água fresca, Nuary. – A moça assentiu e o fez. Lorela passou o pano na testa de Yphera. – Não se preocupe, querida, ela vai ficar bem. – Ela mirou a mais velha. – Não precisa chorar, estou aqui.
Nuary assentiu algumas vezes e aceitou o abraço que sua mãe lhe estendeu. Sua mente alternava entre flashes do que havia acabado de acontecer e cenas desconhecidas; a cabeça seguia latejando. Junto com a angústia de tudo, temia a voz que invadia seus pensamentos. Mesmo que houvesse se silenciado, Nuary sentia um incômodo na espinha, um enjôo, como quando sentimos o olhar de alguém que se esconde. Nuary engoliu seco e murmurou algo sobre ir ao banheiro lavar o rosto.

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A Coroa e a Sombra
Fantasy#138 em Fantasia (02/08/2017) PLÁGIO É CRIME. LIVRO REGISTRADO. ------- "Leio e releio suas letras delineadas, esperando encontrar algum registro sobre a primeira vez que soube o que era, algum guia de como prosseguir. Infelizmente, devo confiar em...