Verborragia

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Quando peguei no sono. Acordei. Tentei virar para um lado. Nada. Para outro. Mais nada. Parece que não há posição confortável que me faça voltar a dormir. Maldita hora que quase dormi e acordei. Não bastasse a insônia, também sinto queimar o estômago. Algo não vai bem. A última coisa que ingeri antes de dormir foi água. Não deveria estar com azia a essas horas. Poderia ser uma vontade de urinar. Daquelas vontades que você segura, pensando que vai passar, só para não precisar levantar. Sem contar, contando, a maldita dor de cabeça. Não bem uma dor. Está mais para uma pressão. Insuportável. Como se tivesse algo, um algo de cada lado. Apertando. Apertando. Apertando mais. E mais. Cada vez mais. Acho que vou explodir. Quem dera fosse de ideias úteis. Todas banais. Fúteis. Críticas. Desordenadas. Maliciosas. Ingratas. Repetitivas. Desnecessárias. Hipotéticas. Tão hipotéticas que chegam a ser verdadeiras. Ligando pontos. Atando nós. Que só existem dentro da mente. Que não para. Que pensa o tempo todo. Que não desliga. Ah, maledeta! Se eu pudesse dar uma marretada e fizesse isso tudo parar. Falta coragem. Para pegar a marreta. Nem chegaria perto de concluir o resto. Por que estou prestando atenção nos pingos da chuva caindo na calha? Batidas intermitentes e irregulares. Irritam. Tiram minha concentração. Concentração em que? A essas horas? Madrugada. Ao menos não está frio aqui dentro. Estava suando embaixo das cobertas. E arrepiando sem elas. Complicada essa bipolaridade da temperatura corporal. Insatisfeita. Como meus anseios. Pelas coisas. Por alguém. De felicidade. Aflição. De onde vem? Nem bateu na porta. Aliás, não tranquei. A veia artística, às vezes é um problema. Trocar dia por noite. Ir dormir cedo. Quando a maioria está levantando. E não demorar muito a levantar também. Para ter um dia normal. O sono bate. O sono passa. O sono compete com a obrigação de permanecer acordado. O sono derruba. Fora de hora. Por poucos minutos. Do que estou falando? Está faltando o sono. Tenho que parar de pensar. Tenho que desligar os pensamentos? Onde fica o raio do botão? Por que não temos um nesses momentos? Tarde demais. Fiz café. Depois de um tempo entre faço ou não faço? Descobri que tenho companhia. Uma aranha indecisa perto da cafeteira. Não sabia se ia ou se vinha, luz ou sombra. Se me encarava ou se corria. Eu também não saberia. Só não pisei nela porque estava justamente no vão estreito. Fosse do outro lado, meu chinelo e minha mísera coragem a teriam prensado no piso gelado da cozinha. Esperando o café esfriar para não queimar a língua. Odeio quando isso acontece. Pensando em ligar a TV. Pensando que a temperatura acaba de baixar. Vou precisar colocar uma blusa. Preguiça de levantar da cadeira. Olhando bem, um instante de sorte. Tem um casaco pendurado no encosto da cadeira. Uma sorte em trocentos tipos de coisas que não deveriam estar acontecendo. Meu famoso botão do foda-se. Não estou encontrando. Um gole de café. Não ficou bom. Pelo visto, nada está bom desde que acordei. Será o sono? Não pode ser. O sono pegou carona e foi parar em outra esquina. Se ao menos eu pudesse dormir até o meio-dia. Poder eu posso. Mas não consigo. É o olho que abre e o psicológico que vê a claridade. É a fome que fala e faz levantar. E então foi-se dormir até o meio-dia. Ou até depois do meio-dia. Café. Arrepio na espinha. Um pouco do frio, outro tanto do café que não sei dizer se está doce demais, mais ou menos amargo, muito leite, muito aguado. O que está acontecendo comigo? Eu não sou assim nos outros dias. Nas outras insônias. O que será que está passando na TV? Nenhum e-mail novo. Nem sei porque ainda entro para olhar. Não tinha nenhuma notificação. Vou colocar uma música para tocar. Afinal, a que está na minha cabeça já está me deixando enjoada. Sons repetitivos me causam enjoos. É preciso cuidar para não ter uma convulsão. Enjoo é um dos sintomas. Quem é que quer saber disso? Ninguém vai saber disso. Cala a mente! Para de pensar! Cacete! Que inferno, a chuva lá fora. Esse barulho na calha. E as múltiplas vozes na cabeça. Como fazer isso parar? Relaxa. Respira. Respira fundo. Relaxa. Definitivamente isso irrita ainda mais. Quem foi que inventou isso? A pressão na cabeça está aliviando. Ótimo. Quem sabe o sono volte. Tomara que seja logo. Se bem que... O café... Está inflamando o estômago. Sinto que não foi uma boa ideia. Eu precisava beber algo. Por que não escolhi a água? Parecia uma boa ideia, um pouco de sabor. Ficou a desejar... Vou despejar o restante na pia. Mais trabalho para o tratamento do esgoto. E menos para os meus rins. Grande vantagem. Lá se foi minha pequena parcela de não contribuição com o meio ambiente. Pelo ralo. Boa viagem. Cansei. De pensar. De tentar não pensar. De procurar explicação. De me sentir um caso perdido. De não encontrar o que não sei bem se procuro. Cansei de tantos erros. De português. De insensatez. Dos outros. Dos meus. Olhando para a borracha agora. Tem corretivo também. E daí? Não apagam nada mesmo. Não precisava apagar tudo. Mas poderia esquecer. Queria lembrar o já esquecido. Devo ter boas lembranças por lá. Mas que droga. Isso não termina mais...  Queria ter aqui um comprimido de invisibilidade. Hoje precisei de colírio e não tinha. Só laxante e remédio para gases. Sobras de um exame. Exame simples de resultado ruim. Merda! Por isso não gosto de ir em médico. Sempre que vou, volto com alguma coisa. Uma doença, uma receita de remédios. Tudo uma porcaria. Tivesse um saco, colocaria tudo dentro. Eu, inclusive. Se tem algo ruim, tem mais é que ser jogado fora. Nem passar para frente presta. Por falar em passar para frente. Ainda tem essa sacola enorme. Cheia de coisas para doar. Que faz ainda aqui? Sem destino. Um pouco como eu. Sem destino é o lugar para onde eu gostaria de ir. Muitas vezes. Desconfio que seria uma oportunidade para chegar a algum lugar que me aceite. Encontrar alguém que me queira. O que estou dizendo? Gosto da solidão. Do que estou reclamando? Está faltando um pouco de paz para agora. É isso. Não justifica, mas explica razoavelmente. Mal, diga-se de passagem. Olhos ficando pesados. Bom sinal. Logo consigo ser vencido pelo cansaço. Que assim seja. Preciso. Desligar um pouco. De tudo. De mim mesmo. Por um tempo. Sem pressa. Sem hora. Sem data. Sem prazo. Até que isso passe. Sabe-se lá o que é isso. Só espero que passe tão breve quanto as paixões. Tão logo quanto a vontade de hoje, agora, estar nos braços de uma boa companhia. Tão rápido quanto dizer 'eu te amo'. Melhor tirar o casaco, colocar os ossos na horizontal e esperar por ele. O sono. Que me permita deixar de ser alguém que não gosto de ser como agora. Carente de tudo. Vazio e nada. Que a cabeça pese no travesseiro e deixe marcas no rosto. De um sono bem-dormido. E que ao acordar, as palavras cheguem vagarosamente e eu tenha tempo de não deixá-las pulverizar, num debate fragmentado, louco e inválido. Sobre tudo o que há de ser e não ser, para ver e não olhar, para perder a razão ou sofrer, excessivamente. Chega! Basta! Pior do que enlouquecer é apaixonar-se a ponto de perder, por algum tempo, o entendimento, de quem sou, aqui, neste lamento.

Maldita InsôniaOnde histórias criam vida. Descubra agora