Verbal-mente

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Eu já tinha deitado. Estava com receio de pegar no sono, pois na noite anterior, quando finalmente consegui dormir, acordei gritando por conta de um pesadelo. Uma paralisia do sono. Que eu podia jurar, na verdade era algum tipo de coisa me segurando. Nunca durmo de lado. Ok. Raramente. Muito, mas muito raramente. E ainda assim, do lado direito. Nunca para o lado esquerdo. Enfim... Tentei resistir ao ato de levantar. Comecei a sentir fome. Por que eu sinto tanta fome durante a madrugada? Eu comi o suficiente durante o dia e a noite. Mais do que suficiente. Não bastasse levantar, tinha de pegar chocolate. A tpm bem que passou. A ansiedade que a acompanhava, continua. Também fiz café. Espero que os vizinhos não tenham acordado com o barulho do liquidificador. Fiz o mais rápido que pude. Para o café gelado, só forma espuma quando feito no liquidificador. E ao lavar o copo, reparei nas lâminas. Credo. Que pensamento mais suicida... Outro dia me veio à mente. E se eu soltar as mãos? Estava de moto. Cento e dez quilômetros por hora. A moto que não passa disso. Aquele vento contra o peito. E se eu soltar as mãos? Será que mais alguém pensa isso? E na curva... E se eu não conseguir segurar? O que será que a gente vê e sente ao passar direto? Devo estar perdendo a noção. Que coisa mais suicida. Não sou assim. Confesso que foi impossível não pensar nessas cenas. Por que eu não durmo como as pessoas normais? Tento acreditar na hipótese de que é coisa de artista. Bem que tenho veias artísticas. Embora não faça o melhor uso delas. Muitas vezes deixo passar... Despercebidas. Alguém tem sono para emprestar? Na verdade não pretendo devolver tão cedo. Ah, como queria acordar tarde. Nem pra isso a insônia colabora. Palavras e mais palavras vão chegando. Por que na minha cabeça? Tirei o lixo hoje e não coloquei outro saco. Em nenhuma das lixeiras. Não costumo ser assim. Desleixada. Sem interesse. Um. Dois. Três. Quatro. Cinco. Mais dois. Mais quatro. Mais uma porção de livros para ler. Onze começados. Correção. Doze. Essa verbalização da mente me atrapalha. Em tudo. Me tira o sono. A concentração. Me deixa com preguiça. Com os olhos esbugalhados. Com muitas palavras. Por que pintaram essas paredes de verde? Não sou fã de verde. Gosto nas plantas. Adoro salsinha e cebolinha. Tenho alergia a grama. Parece piada. Hoje não sou a melhor comediante. Até o barulho de coçar a cabeça me incomoda. Que foi que eu fiz de errado? Para os relacionamentos amorosos, devo ter jogado calcinha menstruada na cruz. Para as dívidas, devo ter roubado e matado em todas as vidas passadas. Se eu ao menos lembrasse. Por que alguma coisa na sala sempre fica com um ar de desorganizado? Talvez pra cortar a inspiração? Restam dois dedos do café. É tanto açúcar que vou conseguir dormir quando estiver amanhecendo e não vou conseguir dormir porque a claridade que entra mesmo com esse tal de blackout, tiram o sono de qualquer pessoa com problemas do sono. Um dedo de café. O restante é só espuma. A minha mente também é só espuma. Palavras espumando por todos os lados. De todas as formas. Vários assuntos. Essas ramificações neurais vão acabar comigo. Um dia. Desse jeito. Nesse ritmo. Um dia minha cabeça explode. Gostaria que esse dia chegasse logo. Quem sabe resolvesse o problema. Quem dera pudesse selecionar e jogar na lixeira. Como os arquivos inúteis que costumamos guardar no computador. Facilitar as coisas. Sempre fui fã. Só não funciona na minha vez. Comigo. Eu preciso de sossego. De mais sossego. Foi-se o último gole de café. Quem quer saber disso? Melhor apagar a luz e não olhar para o teto. Já era. Olhei pro teto antes mesmo de concluir a frase. Levar ou não levar o copo na pia? De qualquer forma, vou lavar só amanhã de manhã. Depois de colocar as roupas na máquina. Espero que tenha sol. Vai ter. Sempre tem quando não saio de casa no domingo. Faz tempo que comecei a ler esse livro. Tinha esquecido desse marcador de página. Abri uma nova aba no navegador e até agora não sei o que eu queria ver. O que era mesmo? Vou lembrar assim que desligar tudo. Deixar para olhar quando acordar e não vou lembrar de novo. Mania de esquecer as coisas quando acordo. Quando saio do banho. Quando vou do quarto pra sala. Da sala pro quarto. Lembro quando estou longe. Não aguentei olhar para o copo sujo ao lado da escrivaninha e coloquei na pia. E aproveitei a levantada para esvaziar a bexiga. Minha visão direita não está legal. Tudo meio embaçado. Meio duplo. O oftalmo garantiu que o problema é o eixo da lente. E não comigo. Minha acuidade visual é muito boa. Apesar do grau. O problema é do eixo. Onde será que fica o meu? Sinto que ando meio fora... Da linha. Dos trilhos. De mim.

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⏰ Última atualização: Jul 24, 2016 ⏰

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