Existem pessoas que parecem versos, poemas, que impressionam nos mais simples gestos. Ela era meu poema preferido, sabia encantar com poucas e simples palavras. Cada porém, cada verso, cada vírgula, cada dúvida. Tudo.
Existem poucas pessoas assim no mundo, pelo menos dentre as que conheço, ela é a única que completa uma poesia, um romance inteiro. Ela tem um pouco de Camões, misturado com Drummond, talvez uma pitada de Vinícius de Moraes, e um pouquinho do Renato Russo, essa mistura que faz com que ela seja diferente das outras pessoas.
Ela era como uma xícara de chocolate quente em dias de inverno rigoroso. Transmitia a sensação que se tem quando segura a xícara quente enquanto suas mãos estão congelando. Ela é meu melhor verso, minha melhor rima, minha melhor prosa.
Talvez a forma como ela anda que fez com que meu coração palpitasse violentamente em meu peito. Era como se seu corpo não pesasse nada, seus pés encostavam fracamente no chão fazendo com que se movimentasse como uma fada. Uma fada com quem eu nunca planejava conversar.
Eu a amava, assim, de longe, da forma que se deve amar, amar devagarinho, amar com cuidado, amar com toda a certeza de que nada daria errado, que ninguém se machucaria.
Mas, em uma das noites de inverno rigoroso, ela estava lá, sentada, quieta, na praça em frente ao prédio, observando as gotas de água caírem constantemente, estava na chuva, derramando lágrimas que eram fundidas às lágrimas do céu.
Observei-a da janela de meu apartamento. Era de partir o coração vê -la naquele estado. Eu não sabia o motivo. Nunca soube, para falar a verdade. Naquele momento, eu tive a certeza que precisava agir. Precisava conhecer um pouco mais sobre esse livro de poesias intermináveis chamado Marcella.
Desci os três lances de escadas com certa rapidez, pulando três degraus de cada vez. Escancarei a porta da recepção e saí com meu sobretudo preto e um guarda chuva laranja.
Ela encarava o chão. Seus olhos acastanhados estavam opacos, mesmo com as lágrimas que havia colecionado em seu cachecol encharcado. Sentei-me ao lado dela com certa relutância. Estendi o braço para que o guarda chuva impedisse que as gotículas de água gelada caíssem nela. Pela primeira vez, ela olhou para mim.
Ela levantou do banco, como se não quisesse minha presença, porém, naquele momento, eu soube que ela precisava de mim, mais do que nunca.
Andei ao seu lado, com o guarda-chuva aberto protegendo a nós dois da chuva.
-Por que está me ajudando? - enfim, ela perguntou. - Devo ficar com medo, por causa de meu vizinho que está me seguindo com um guarda-chuva?
Eu ri e encarei nossos pés.
-Eu ficaria com medo... - falei em tom de piada.
-Ótimo. - ela disse - Estou num péssimo dia, não faria diferença mesmo se me matasse. Só diga para a minha mãe que a comida dos peixes está no armário debaixo da televisão.
Estreitei os olhos.
-Você não tem peixes... - comecei.
-Nem mãe, pois é. Minha vida é uma merda. Diga ao...
-Vou dizer a você que não vou te machucar e estou aqui só como um amigo.
-Mas eu nem te conheço! - ela retrucou.
-Sou Pierre Bardini, pernambucano, estou no primeiro ano de faculdade na UFPR, professor temporário de literatura, 17 anos... Acho que só.
-Sou Marcella Baesse, paulista, 16 anos, não sou nada, nunca serei nada e não posso querer ser nada.
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Meu Melhor Verso
Short StoryCapa feita por: @123_Maria_123 ××× Existem pessoas que parecem versos, poemas, que impressionam nos mais simples gestos. Ela era meu poema preferido, sabia encantar com poucas e simples palavras. Cada porém, cada verso...