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André era um garoto comum assim como qualquer outro de sua idade. Tinha notas boas (nenhuma vermelha, mas também nenhuma tão alta), jogava vídeo game e se considerava um tremendo sedentário por isso, passava horas na internet ― sedentário! ― e era um bom filho para sua mãe e seu pai. Só que existia uma coisa que ele não entendia nessa simplicidade toda que o rodeava. E o pior de tudo era que essa coisa que ele não entendia não tinha nada a ver com ele, mas o incomodava, e muito.
Pandora. Pandora era o nome da coisa que o incomodava, e também era nome de uma de suas colegas de turma. Haviam estudado juntos durante todo o maternal, fundamental e agora no ensino médio também. Mas nunca ― nunca mesmo ― havia trocado mais que algumas palavras com ela durante breves encontros quando ambos colocavam seus lixos (que, por coincidência, eram postos na mesma hora, mesmo não sendo um horário programado para nenhum dos dois) na frente de suas casas aos sábado. Entretanto, ela ainda o incomodava do mesmo jeito.
Dizia algo na cabeça de André que ela não era uma pessoa em sua sã consciência. Depois de ver todas as suas fotos no Instagram, no que se resumia em várias fotos de seus pés cobertos de meias diferentes, fotos de pelúcia e alguma coisa que ele achava ser um livro que ele não tinha conhecimento sobre, o rapaz achou que ela não era uma adolescente normal. E isso o incomodava, além de incomodar a todo mundo também ― imaginava ele.
Pandora costumava ir à escola a pé, mesmo que morasse tão longe dela. Era quase uma hora de distância e ela ia sempre a pé. Não que isso fosse da conta dele, mas ele também morava àquela distância, exatamente por serem vizinhos. Via que ela ficava acordada até tarde, e não entendia como ela conseguia acordar cedo na manhã seguinte para ir à escola e permanecer com uma face sorridente para qualquer um, enquanto ele perdia a hora até quando adormecia cedo no sofá ou na cama ― e no outro dia era visível que um André completamente mal-humorado não queria papo com ninguém. E isso o incomodava muito.
Uma vez alguém que o desafiou num jogo virtual havia ultrapassado seu Record; naquele jogo que ele jogava desde que se conhecia por gente. Isso não era nada demais, exceto pelo fato de que a pessoa que o ultrapassou era Pandora, para ser mais exato, Pandora2424. O seu nick name o incomodava tanto quanto o fato dele ter jogado a melhor partida de todos os tempos do jogo que ele mais amava com ela. Ok, ele respirou fundo e tirou os fones de ouvido, praguejando por não ter reparado antes naquele nick name e naquele ícone de pés vestidos com meias do usuário que havia o desafiado. E já relaxado com tamanha novidade, ele a elogiou; não havia nada demais em elogiar e dizer que ela era realmente boa naquilo (e ela era, pois havia vencido o maior recordista daquela região), contanto que ninguém soubesse disso e que ela não desconfiasse que André era o zinthos*.
Houve um baile em sua escola para arrumar fundos para pagar uma parte da formatura do terceiro ano. Era um baile comum, apesar de o tema ser muito clichê: baile de máscara (ou, para André e alguns garotos: festa à fantasia). Foi vestido formalmente, ele não era obrigado a se fantasiar como todo mundo dizia que iria se fantasiar, e no rosto tinha apenas uma máscara de Batman. Achava que por mais que fosse um baile de máscaras, as pessoas aniquilariam a maldita música e a dança romântica. Mas não. Olhou para os lados e todos os seus amigos estavam dançando agarradinhos com uma garota qualquer.
― Qualé, André. Chama uma garota pra dançar. Aqui tanto faz se alguém pegar uma feia; todo mundo tá de máscara mesmo. ― Gritou um de seus amigos, o Tiago, dançando com o que se parecia ser a professora de Biologia.
Riu de seu amigo que tirava uma casca enorme da professora de Biologia, que mais parecia uma modelo princesa, com aquele vestido longo e brilhoso que estava vestida. Pensou no que seu amigo disse e passou a procurar pelas mesas alguma garota que o "encantasse". Não era pegador nem nada, mas se conseguisse uma garota para dançar sairia no lucro. Só que a maioria das meninas estavam com vestidos grandes e volumosos do tipo "sou rainha do baile", e isso o intrigou; era tosco. Riu desse pensamento e buscou a sua escolhida desfocando sua visão de todas, já que era fácil, pois ela era um tanto diferente das demais. Vestia um vestido de camada, poucas camadas que batiam até o joelho, roxo com rendas em preto ― as outras garotas variavam do rosa para amarelo ―, e tinha uma máscara de mulher gato na face. Perfeita.
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Pandora Através das Meias ✅
Ficção AdolescenteO que você vai ser quando crescer? André gostaria muito de que sua resposta de anos atrás, de quando ainda tinha sete anos de idade, fosse a mesma que responderia (ou melhor, mostraria) para a sociedade: queria ser um desenhista. Mas, com o pass...