21/05

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Saí do hospital. Me sinto sufocado por tudo que está acontecendo. O clima gostoso e a felicidade que eu vinha sentindo foram embora, e agora estou novamente sozinho. Vou à casa de Anna, e de lá vamos à cidade por um fim nisso tudo. De alguma forma, vou explicar à Anna que seremos apenas amigos.

São cerca de duas horas da tarde. Estamos chegando à cidade, Anna dirige agora e eu observo a paisagem que passou de ensolarada e bonita para gelada triste. O sol desapareceu à cerca de uma hora por trás das nuvens de chuva que branqueiam o céu. Tudo está cada vez mais gelado e mais sério. Não consigo me sentir feliz...

Chegamos à cidade. Devo dizer que estou impressionado: é uma cidade pequena sim, mas rica, rica mesmo. É cheia de mansões vitorianas, carros luxuosos, pessoas que andam na rua como se estivessem em um desfile de marcas famosas, com jóias exuberantes nos pescoços, pulsos e orelhas. Mas esta cidade é ao mesmo tempo estranha. Parece parada no tempo, as construções são lindas sim, e bem preservadas, porém são antigas e não encontrei nenhuma nova por onde passamos, o último desses carros deve ter sido comprado há trinta anos. Me sinto preso em um filme melancólico dos anos cinquenta e, ah, estou menos depressivo apesar de tudo.

Não fomos bem recebidos. Na verdade ainda não falamos com ninguém, estamos estacionados em frente ao mercado já que é o único local público que encontramos na rua principal. As pessoas que passam nos olham como se fôssemos fezes nojentas que algum cachorro deixou na rua, sem se importar em esconder suas expressões. Pode ser porque sejamos pobres, é a primeira coisa que Anna pensou, mas pode ser porque eu pareço um roqueiro revoltado que pode causar sérios problemas ao patrimônio público da cidade. Há três anos eu poderia, sim, ser um grande problema.  Mas agora eu quero apenas um cigarro para imortalizar minha imagem de problema.

Já estava ficando tarde e eu estava com dor no estômago de tanta fome, então fomos ao mercado para comprar qualquer coisa para comer e dar início às investigações. Por que não fomos antes? Porque um carro bateu no nosso e ficamos cerca de três horas resolvendo as coisas com o outro motorista. Não me admira ele  ter batido – estava olhando para a praça do outro lado quando começou a vir em nossa direção. Começamos a buzinar, mas é claro que não adiantou nada já que, além de velho e avoado, o motorista também era surdo.

Ninguém se machucou, e ele prometeu pagar o conserto se fôssemos à loja dele na rua secundária amanhã. Fiquei com pena daquele senhor, ele parecia realmente chateado por bater em nosso carro, e se sentia muito culpado, além de nos tratar como iguais. Não estragou muita coisa nos carros, apenas a lanterna dianteira esquerda do nosso, e uns amassadinhos no para-choque do dele, já que até o cachorro que desfilava ao lado do carro dele estava mais veloz quando bateu.  Por fim, joguei todas as folhas de papel que usamos para nos comunicar no lixeiro da calçada, retribuímos o olhar de nojo aos curiosos que faziam um pequeno círculo à nossa volta e fomos ao mercado.

A caixa era finalmente uma pessoa nova, com talvez uns anos a mais que nós. Foi simpática e nos indicou produtos interessantes para comprar e devorar na mesma hora. Havia muita coisa importada – França, Itália, Argentina, Inglaterra, Alemanha, Rússia... Isso me fez ter uma ideia dos preços do estabelecimento, e eu estava certo afinal. Quase caímos para trás ao pagarmos aquelas porcarias deliciosas que devoramos em um minuto.

Aproveitei e perguntei à Katia (o nome da caixa) se ela conhecia alguma história de suicídio daquela cidade. Ela fechou o sorrisão na hora e nos encarou desconfiada por alguns instantes. Nesse momento percebi que um homem nos observava de uma janelinha do andar de cima, mas não deu para ver sua expressão.  Katia por fim disse que não, então baixou muito o tom de voz para dizer que se fôssemos à biblioteca, poderíamos ter mais sucesso com a resposta.

Tudo bem, fomos à biblioteca, onde a Catarina - bibliotecária de 84 anos - nos disse que a mãe dela era amiga de um casal que se suicidou há muitos anos e nos ajudou a procurar por jornais da época, relatos ou qualquer coisa. Nada. Então nos disse onde ficava a casa estamos  a caminho de lá.

20:30. Depois de muita estrada de chão, árvores e morcegos gritando ao nosso redor, chegamos à casa. Em meu sonho/alucinação aquela casa parecia velha, pequena e simples. Contudo, é uma mansão enorme - e está abandonada. Típico filme de terror, aliás, minhas últimas semanas parecem ter saído do mais banal filme de terror. Estou refletindo sobre isso há algum tempo. Sabe, eu sou o mocinho. Ah, sou sim, nem vem. Nos filmes, o mocinho não morre, a não ser nos filmes em que há continuação, mas isso é no filme dois, e estamos no um. Então, eu vou sobreviver, mas alguém vai morrer. Será Anna? Será Amanda? Ou será  Mike? Ou Catarina? Serão todos? Serei eu... retardado?

O Diário de David OwnsonOnde histórias criam vida. Descubra agora