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Aparentemente, essa cidadezinha esconde algo a mais além dos cofres lotados de dinheiro nos porões das casas e dos vibradores embaixo das camas das aparentemente perfeitas donas de casa. Não pergunte como sei sobre esse último fato. Eu e Anna passamos a noite dentro do carro porque nenhum de nós queria realmente entrar naquela casa durante a noite. Tudo de ruim poderia acontecer, você sabe, como já mencionei que minha vida anda igual a um filme de terror. Não houve mais nenhuma aparição da maldita assombração, obrigado. Ao contrário, vimos algo que poderia assustar alguns ainda mais. É claro que não passaríamos a noite dentro do carro naquela casa do terror, então voltamos lentamente à cidade, e encostamos numa rua sem saída mal iluminada, atrás de uma camionete dos anos 80 - parecia seguro e tínhamos privacidade. Além do mais, havia algumas árvores no fim da rua, perfeito lugar para um banheiro improvisado, pelo menos para mim (Anna não gostou muito da ideia, mulheres afinal...). Me sentia culpado. Anna tentava conversar comigo, me abraçar, me beijar, queria a mim. Não consegui, quer dizer, é claro que poderia, mas não quis. Dá pra acreditar? Amanda não saída da minha cabeça. Queria saber como ela estava, como tinha passado o dia, queria ouvir sua voz, abraçá-la, sentir seu cheiro, segurá-la em meus braços, beijá-la, protegê-la. Mal dei ouvidos ao que Anna dizia, o que é picaresco já que Anna é deveras interessante e bela. Além do mais, precisávamos conversar sobre tudo o que vimos, refletir. E sei que sinto algo por ela. Tenho que sentir, não tenho? Já não sei mais...

Eu já tinha deitado o banco e dado as costas para ela, quando luzes à frente me chamaram a atenção. Sentei-me no banco, alerta, e baixei com todo o cuidado o vidro do meu lado. Anna não demorou para ver também, decidimos sair do carro em silêncio pelo lado dela e ficamos agachados atrás da camionete para ter uma visão melhor. As luzes eram na verdade tochas, vindas nas mãos de centenas de pessoas. Parecia quase impossível que ainda houvesse uma pessoa naquela cidade que não estava naquela passeata. Reparei que os homens usavam roupas pretas, a maioria um paletó impecável e para não fugir à regra, antigos. Certamente as costureiras ali não compravam uma revista nova desde 1800. Quanto às mulheres, usavam vestidos até o pescoço, alguns pretos, outros cinzas. Cobriam os rostos  com véus negros, e usavam luvas. Se a imagem de tudo aquilo já não era medonha o bastante, você precisava ouvir o que murmuravam. Era o mantra mais sinistro que já ouvi na vida. Quando criança, chegava a me arrepiar do medo que sentia daqueles sons assustadores gerados por todas aquelas vozes abatidas, robóticas, sem vida e intensificados pela arquitetura medieval dos enormes salões das igrejas. Agora imagine que aquilo era ainda pior. Meus olhos lacrimejavam à medida que aquele mantra penetrava na pele e chegava até os ossos. E estava tão frio... Aquilo me deixou em um transe de agonia, depressão, só acordei com o crepitar dos dentes da Anna, incapaz de controlá-los devido ao frio. Pedi para que voltasse ao carro, então cheguei mais perto, tentando não pensar nos sons. Eles passavam sem desviar os olhos do vazio à sua frente, hipnotizados. Seguiram pela rua que cortava aquela em que estávamos, e se foram. Talvez eu devesse ter ido atrás, mas minha intuição me manteve onde estava.   

- David... aquilo foi...  

- Não sei o que foi, perecia algum tipo de adoração, ritual, não sei... - respondi ao voltar ao carro, realmente agradecido pelo silêncio e calor.  

- Acho que são pagãos... - comentou Anna, pensativa.  

- Pagãos?

 - Você sabe... não cristãos.  

- Hm... não sei. - respondi, confuso.  

- Eles acreditam que a divindade está na natureza, e que podem alcançar seus deuses através de seus fenômenos, como o sexo. Bom, eu acho que é isso, para falar a verdade nunca estudei os pagãos, é só algo que li em algum lugar... - comentou, recostando-se no banco, deixando transparecer o cansaço.

- Bem, amanhã tentaremos descobrir mais sobre isso... Tem alguma ideia de que horas são?

- Hm... acho que um pouco passado das duas... - comentou, com os olhos já fechados e no segundo seguinte, já estava dormindo. Gostaria de pensar um pouco mais sobre aquilo enquanto Anna dormia, eu não poderia dormir, teria de ficar vigiando já que aquele carro não nos dava qualquer segurança. Me recostei no banco, e no momento estou aqui, escrevendo. Estou tão cansado... o teto escuro parece o céu negro da noite, consigo imaginar as estrelas...

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⏰ Última atualização: Jan 15, 2014 ⏰

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O Diário de David OwnsonOnde histórias criam vida. Descubra agora