Prólogo: Lavando meus pecados

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Água caía por todo o meu corpo, forte e quente, transmitindo uma sensação prazerosa de calmaria e equilíbrio.

O banheiro estava completamente nublado. Era possível escutar música tocando no último volume. Reconhecia sem problemas o que começava a tocar, era Runnin do Adam Lambert. Eu escutava, e a cada frase dele surgia um pensamento na minha cabeça.


"Aço para os meus lábios trêmulos" (Essa era a sensação de bebida barata chegando a boca)

"Como é que a noite sempre fica assim?" (É um ciclo vicioso, as mesmas merdas no fim de todas as noites)

"Uma dose e o whisky vai para baixo, baixo, baixo" (Sempre mentimos que é só uma dose, e é sempre mais de uma que mandamos pra dentro)

"Chego ao fundo da garrafa" (Sempre tomamos a garrafa toda pra tentar matar o que nos mata por dentro)

"O estrago está me condenando ao fundo, fundo, fundo" (Muito estrago, mas não é só a bebida barata, é mais fundo, e eu estou cada vez mais no fundo)

"Meu coração está batendo mais rápido. Eu sei o que procuro" (Coração acelerado, estômago embrulhado, cabeça zonza, é assim que é estar bêbada. E eu sei bem o que está sendo procurado, é ter paz, sentir-se livre, esquecer a vida, esquecer quem eu sou)

"Eu estive parado aqui a minha vida toda. Vi tudo mais de uma vez. Agora é hora que eu percebo. Está girando em círculos agora. Nesse caminho por onde eu rastejo" (É engraçado como o tempo passa, e eu estou aqui, no mesmo lugar, são ciclos que se repetem e eu continuo perdida, afundando cada vez mais)

"Salve-me, pois estou caindo. Nem consigo respirar direito agora. Porque eu continuo fugindo, fugindo, fugindo, fugindo. Fugindo, fugindo, fugindo, fugindo. Fugindo do meu coração" (Salve me! Por favor! Mas quem poderia me salvar? Não sobrou ninguém, nunca teve ninguém. Nem eu mesma consigo me salvar! E eu sigo fugindo, fugindo de tudo, de todas as dores e verdades e de mim mesma)

"Continuo nesse círculo vicioso. Viciado no torpor, vivendo nesse frio. Quanto mais alto, mais dura a queda, queda, queda. Cansado de estar esgotado e doente e pronto. Para outra espécie de vício. O estrago está me condenando ao fundo, fundo, fundo. Meu coração está batendo mais rápido. Sei o que procuro" (Porque eu não consigo seguir em frente, mudar tudo, ser feliz?! A pior parte é as vezes amar o que sou, porque eu sou ótima em ser o que sou. Mas estou indo cada vez mais longe, será que um dia terá volta? Estou tão cansada, mas sigo em frente, me afogando mais e mais. Meu objetivo é achar algo pra fazer parar a dor, não importa o que seja, preciso de qualquer coisa para fazer eu parar de sentir!)


A música continua por mais uns minutos e eu me perco nos pensamentos. As palavras dizem tanto, parece que a melodia foi escrita para mim, assim como diversas outras. Elas refletem o que eu sinto, coisas que nem eu mesma quero admitir que sinto.

Afoguei-me nos pensamentos, a música já havia acabado e seguido adiante, mas nem me dei conta de tão perdida que me encontrava.

Somente me recordo do barulho da água, eu estava completamente embaixo do chuveiro, a água quente caindo por toda minha cabeça e corpo, uma sensação boa que não saberia descrever com exatidão. Mas pra mim, aquele ritual, que eu procurava fazer o mais frequente possível, era como lavar toda a sujeira e todos meus pecados. Eu apreciava esse ritual, eu gostava de fingir que estava limpa, por dentro e por fora,mesmo que essa sensação durasse pouquíssimo tempo.

Eu simplesmente fechei os olhos e esqueci o mundo, enquanto a sujeira e os pecados escorriam e eu aproveitava a breve sensação de paz...







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