‎I - Porque é isso que os amigos fazem

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Lentamente abri os olhos, a quanto tempo eu já estava ali? Podia ser 10 minutos ou 1 hora, eu não tinha ideia. Ainda era possível escutar a música vindo do quarto.

Relutante desliguei a água, aquele ritual me fazia tão bem, dava-me mesmo a sensação de paz. Estiquei a mão pegando a toalha, sequei-me e passei-a em volta do meu corpo.

Dei três passos até a pia e parei, encarando-a. O banheiro estava nublado pelo vapor da água quente, assim como o espelho. Com um singelo movimento limpei o espelho, o suficiente para que eu pudesse me ver, e passei os olhos cuidadosamente por todo o reflexo.

Com 20 anos eu dispunha de uma beleza normal. Possuía apenas 1,65 de altura, com um corpo normal e avantajado nos lugares certos. Uma pele tão branca quanto era possível e que evidenciava as veias do meu corpo, com exceção dos lugares onde havia pequenas tatuagens. Nariz médio e bonito, boca perfeitamente desenhada e carnuda. E olhos castanhos, tão profundos e penetrantes! Cabelo preto e liso, na altura dos ombros, crescendo desornadamente. Como disse, uma beleza corriqueira, não havia nada que me tornasse especial.

Continuei encarando o espelho mais alguns minutos, até que escutei alguém batendo na porta do banheiro. Aguardei e em seguida veio uma voz masculina, doce como mel:

_. Kate? ... Katherine? ... Tudo bem? Você já está aí dentro a um bom tempo...

Preferi responder logo: _. Hey lindo, está tudo bem. Já vou sair.

Não ouvi uma resposta, simplesmente silêncio.

Antes de sair sequei o cabelo imensamente molhado e escovei os dentes.

Deferi uma última olhada fria para o meu reflexo e sai do banheiro, seguindo assim para o cômodo já rotineiro. Meu quarto era simples, com paredes cinzas e detalhes pretos e vermelhos. Uma cama de casal, um guarda roupas grande, criados-mudos, mesa de estudo, um sofá simples, TV.

Caminhei até a mesa de estudo onde meu notebook estava, com intenção de mudar o que tocava, olhei as horas, já era 2 horas da tarde, eu havia tomado um banho de mais de uma hora. Troquei de música até achar algo que me agradasse, até que achei uma, Happy do Mudvayne, que logo tocava alto no recinto, e com o humor ligeiramente melhor comecei a cantarolar a melodia pesada. Me dirigi até meu guarda-roupa, caçando as primeiras roupas que vi e pareciam confortáveis. Coloquei uma calcinha, me enfiei dentro de uma calça de moletom cinza, e coloquei uma regata simples de algodão preta com caveira.

Descalça, fui até a janela, e parei, aproveitando desatentamente os raios solares contra minha pele pálida.

_. Quer uma caneca de café? _ era a mesma voz masculina e doce como mel que me chamara mais cedo á porta do banheiro.

_. Você sabe que eu não tomo café, não sei porque insiste em perguntar._ respondi secamente, sem nem me virar para encarar o homem encostado na porta do meu quarto.

_. É só esperança que um dia você aceite, não entendo isso, café é vida!_ a diversão e incredulidade na voz dele era palpável.

_. Fico com o chá.

_. Ok então gata.

Espiei pelo canto do olho, ele já estava se retirando, mas antes que saísse do meu campo de visão eu falei:

_. Hey, você já colocou o lixo para fora?

_. Sim Kate, é o que sempre faço, não é?! Despachei o cara assim que você entrou no banho.

_. Obrigado Nathan.

Ele saiu. O conhecia muito bem para saber que ele estaria me esperando na cozinha, com sua caneca de café e a minha de chá. Sinceramente eu não merecia um amigo tão bom, mas eu tinha, não sei por quanto tempo antes de ele cair na real da merda que eu era e se estafar, mas seria mais cedo ou mais tarde, enquanto isso eu desfrutaria de sua amizade e agradeceria todos os dias por tê-lo em minha vida. Não posso dizer que ele não tem o mérito de estar me tolerando a um bom tempo, não contabilizo esse tempo por meses ou anos, mas sim pela quantidade de merda que vinha de mim, e até agora ele estava ali, firme e forte, sempre limpando minha bagunça. Ainda que eu não demonstrasse muito ele era eminentemente importante para mim, e creio que em seu íntimo ele sabia o quanto.

Como eu poderia descrever Nathan Collins? Assim como eu ele tinha 20 anos, surpreendentemente ele fazia aniversário no dia seguinte ao meu. Ele era doce, alegre e muito inteligente. Alto, principalmente ao meu lado, sua beleza se entendia ao longo dos seus 1,85. Cabelos pretos e lisos, raspados do lado e arrepiados em cima, um corpo esbelto com rosto longo, olhos verdes e um sorriso de tirar o fôlego! Às vezes eu parava e admirava sua beleza tão natural, esse era o efeito que ele causava em todas as mulheres e em mim não seria diferente. Mas para a decepção de todas as pessoas do sexo feminino ele jamais nos olharia como desejávamos, definitivamente mulheres não eram seu gosto. De certa forma isso era ótimo, desta maneira eu jamais colocaria em risco nossa amizade por causa de sexo.

Eu estava começando a ficar com calor e provavelmente Nathan estava me esperando na cozinha. Andei até a porta, parando para fazer carinho em uma Angel dorminhoca largada na minha cama. Angel é minha husky siberiana de 2 anos, tão amorosa e doce quanto possível. Sai do quarto, passando em frente ao quarto do Nathan e desci as escadas. A escada levava a sala, que em si era simples, com sofás, TV e um PS4, mesa de centro, cortinas, decoração leve. Da sala podia se ver uma porta que dava para o banheiro social, outra que levaria para o quarto de hospedes onde geralmente eu fodia com os caras, eu jamais deixava um deles deitar na minha cama ou dormir no meu quarto. E por fim uma abertura que ia para a cozinha.

Segui para a cozinha encontrando Nathan com agasalho de moletom, encostado no balcão, segurando sua caneca fumegante de café. Ele me viu chegando e abriu um sorriso, me esticou a outra caneca que continha chá, cheguei perto e passei a mão por suas costas como forma de afeto enquanto pegava a caneca e sentava.

Ambos bebemos de nossas canecas sob um silêncio que durou pouco tempo.

_. O garotão dessa noite não entendeu nada quando o acordei e mandei que fosse embora._ ele me fitava enquanto eu tomava o liquido fumegante, esperando alguma palavra ou reação de minha parte, mas seguiu falando: _. Ele quis saber onde você estava, até que se deu conta que você não estava aqui embaixo, mas parei ele antes que ele tentasse te procurar no andar de cima. Vendo que não tinha muita opção ele colocou a roupa e foi logo embora, mas não antes de deixar isso aqui para você.

Ele tirou algo do bolso, colocou no balcão e empurrou na minha direção. Olhei para o lugar onde ele havia deixado um pedaço de papel. Beberiquei a caneca e peguei o papel, passando os olhos rapidamente pelo que estava escrito. Amassei e joguei de volta no balcão. Nathan me encarava com um ar de dúvida, querendo entender.

_. Diz que a noite foi ótima, que quer me ver novamente e deixou seu endereço e telefone._ expliquei.

_. E pela sua atitude a resposta ficou bem clara.

Evitei a resposta tomando o chá até o fim e colocando a caneca no balcão. Ele me observou percebendo que não rolaria uma conversa sobre aquilo.

_. Obrigado pelo chá, vou ir deitar um pouco, não dormi nada essa noite.

_. Como todas as noites Kate._ a frase dele veio repleta de escárnio, atingindo-me como um soco.

_. É! Como todas as noites!_ procurei me controlar sem muito sucesso.

_. Você vai sair mais tarde?

_. Sim, como todas as noites._ soltei, dando-me por vencida, mas com resquícios de ironia.

_. Hum, ok, então é melhor você descansar. Vou aproveitar para sair agora e resolver algumas coisas, devo voltar cedo. Bom descanso. Quem sabe quando acordar você esteja mais doce. _ ele foi até mim com um sorriso de canto e carinhosamente beijou o topo da minha cabeça, seguindo para a porta de casa com intenção de sair.

Levantei indo em direção as escadas. Fui para o quarto, ligando a TV na Warner Channel. Despi-me mantendo somente a calcinha e coloquei uma blusa de algodão larga, ficando bem confortável. Me deitei na cama, ao lado da Angel e fiquei olhando o teto, em poucos minutos fechava os olhos e adormecia.

Andando em ApurosOnde histórias criam vida. Descubra agora