Capítulo 1

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Existem mais desvantagens do que vantagens em ser a filha da professora de inglês da sua classe, uma dessas desvantagens é que ela sendo carrasca, metade da sua escola vai te odiar. Vivo com esse peso desde que entrei no ensino fundamental. Os meus óculos fundo de garrafa ainda me ajudam a sofrer noventa por cento de bullying na escola.

No meu quarto, tenho um pequeno espelho que só me permiti olhar para o meu rosto, nunca me preocupei muito com minha aparência, nunca soube que roupas estão na moda, então eu nunca fiz questão de ter um espelho grande em meu quarto. O pequeno espelho cumpre o seu propósito. Amarro meu cabelo em um velho e tradicional rabo de cavalo, coloco meus óculos e os meus olhos pretos me fitam no espelho, algumas sardas evidentes emolduram meu rosto pálido e magro, como tinta respingada em um papel. Será que meu corpo não consegue ganhar pelo menos alguns quilos extras?

— Bom dia mãe! — Digo, me sentando à mesa.

Não é sempre que a minha mãe responde ao meu bom dia, é como se ela sempre tivesse que manter a guarda até mesmo para a filha. "Papai" a abandonou quando eu era recém-nascida, então com uma filha pequena para cuidar ela teve que cumprir durante anos três cargas horárias dando aulas. Passei meus dezesseis anos praticamente com a minha avó, ela faleceu há um mês, e agora eu passo a metade do meu dia na escola e a outra metade trancafiada no meu quarto entre livros e alguns seriados na TV.

Sempre vou de carro com a minha mãe para escola. É uma tortura quando desço do carro e metade dos alunos da escola me olham. Será que eles ainda não se cansaram disso? Olhar-me. Darem risadinhas. Cochichar. Bato a porta com força ao sair do carro.

— Ei mocinha, foi isso que eu te ensinei? — Mamãe grita, ainda dentro do carro, e alguns alunos riem às minhas custas.

— Desculpe-me, mãe. — Respondo, saindo o mais rápido possível dali.

De cabeça baixa, entro na escola. Aperto os meus livros contra o meu corpo e sigo caminhando, sempre de cabeça baixa, quando na verdade os outros alunos que deveriam andar assim, de cabeça baixa, sentindo-se envergonhados pelos seus atos maldosos.

A primeira tortura eu já tinha enfrentado, agora eu tinha que passar pela segunda: O mar de pessoas paradas na escada. Essa é uma das piores, não tem para onde fugir, não tem outro caminho para desviar deles. Levanto meu olhar e paro por alguns segundos na ponta da escada, piso com meu All Star no primeiro degrau, e então eles começam.

Ouvir as pessoas fazendo piadas sobre a sua aparência, rindo pelas suas costas, digamos que isso não é nada agradável. Apresso meus passos e logo estou longe deles, entro na minha sala e sento no meu lugar de sempre. A primeira cadeira da segunda fila do lado direito da sala. Filha de professora = Aluna inteligente = Aluna disciplinada. E porque é mais próximo da porta também.

Ninguém se encontra na sala ainda. Claro, eles tinham que colocar muitos assuntos em dia, para que correr para sala de aula? A não ser que você seja uma das aberrações da escola e você tenha que achar algum lugar para se esconder. Este era o meu. Não era o mais perfeito, mas era o que eu tinha.

Depois de alguns minutos ali, concentrada na leitura de um dos livros de Agatha Christie, Carla adentra a sala, a única salvação que eu tenho nesta escola. Carla é a única que eu posso chamar de amiga, nos conhecemos desde sempre, somos inseparáveis, a não ser pelo fato de não termos caído na mesma turma este ano. Minha mãe bem que poderia ter conseguido que eu ou Carla trocássemos de sala, mas ela se recusou a fazer isso, era a minha mãe sendo a minha mãe.

— E aí criatura que eu amo, está se escondendo do mundo de novo? — Pergunta Carla, tirando os meus óculos.

— Devolve-me isso, você sabe que não enxergo sem eles. — Digo, pegando os óculos e os colocando de volta, empurro-os para a ponte do nariz.

60 Dias Com BenOnde histórias criam vida. Descubra agora