Lilá
Quantas vezes eu já estive nessa mesma posição, fazendo exatamente a mesma coisa?
Sentada de frente para o espelho da minha penteadeira encarando meu reflexo. A imagem de uma garota que vive mudando, não por escolha própria ou consequências do tempo, mas sim pelas circunstâncias.
Em um ano fui uma garotinha órfã que chorava todos os dias após a morte do pai. Uma princesa que tinha medo de descansar a noite e sonhar com Sereias Malditas e gritos de dor.
Em um outro ano fui uma garota que iria começar o 2º ano do ensino médio, assim como começaria a competir por uma vida que eu não queria.
No mesmo ano me tornei uma garota diferente. Tornei-me a rainha de um Reino recém destruído, tendo que lidar com o sequestro da minha tia e com as mortes que carregava no peito.
Como se não houvesse ocorrido mudanças suficientes em minha vida. Hoje sou outra garota.
Hoje a garota refletida no espelho está destruída por dentro. As vestes negras e fúnebres, juntamente com a flor de luz presa ao seu peito parecem destacar a dor em seu rosto. As mechas castanhas presas em um rabo de cavalo expõem suas bochechas vermelhas e os olhos inchados. Apesar de todos os sinais que há um coração batendo em seu peito e que há sangue correndo por suas vezes, a garota carrega uma expressão morta em seu rosto. Um vazio gélido.
É difícil acreditar que esta sou eu, porém não mais difícil do que acreditar que algo tão injusto está acontecendo comigo.
— Onde você está? — pergunto para a blusa preta entre meus dedos de modo insano. Ergo-a mais uma vez e descanso-a em meu rosto, respirando o perfume dele.
Parece patético me agarrar à essa esperança sem fundamento. Quero chamar de instinto, mas depois das cenas que vi pelo Visor algumas horas depois da saída do representante do Oráculo, está mais para negação.
O repórter noticiava o incêndio e a completa destruição do prédio onde estávamos. Restava apenas um único sobrevivente, como disse o rapaz do jornal "... felizmente o Herdeiro, um dos representantes da igualdade bruxa sobreviveu à catástrofe com apenas alguns ferimentos leves".
Eu sei que o Pesadelo poderia muito bem ter censurado isso e ter utilizado o benefício da dúvida, mas ele preferiu expor. Fez questão que soubéssemos que estava vivo, e que Arrow não. Assim como Melissa.
Com a vida que levamos, é claro que já pensei sobre a morte. Mas eu acreditava que o universo seria justo comigo neste sentido, já levou tantos que eu amei, já me fez carregar tantas e tantas perdas. Eu já devia ter aprendido que acreditar nisso é tolice, mas dessa vez aprendi a lição.
Pois estou aqui, me sentindo bagunçada, um pouco insana e completamente perdida. Minha alma gêmea se foi. Quem tornava meus dias mais divertidos, quem tinha a habilidade de me fazer rir e me irritar em segundos, quem me enxergava de verdade e me protegia com tudo que tinha, agora está morto. O corpo incinerado por uma bomba. As cinzas dele podem estar agora mesmo mescladas ao pó daquele prédio odioso.
As responsabilidades parecem um ruído muito baixo em minha mente. As profecias e tudo que significam podem mudar o rumo desta guerra que se inicia entre as nações, como a princesa de um dos grandes Reinos e Escolhida do Reino Água é meu dever utilizar de tudo que tenho para proteger meu povo.
Mas como fazer isso se sinto que tudo que me resta é luto e cinzas? Essa dor não atravessa somente a mim, mas também todos os membros da equipe. A perda de um irmão, um filho, um herói.
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Os Corrompidos
FantasyEstá obra é o TERCEIRO livro da Trilogia Os Escolhidos. Em um mundo onde as Trevas corrompem cada um dos 4 Reinos de Elim, pouco a pouco. A princesa da Agua, Lilá White e sua equipe encontram-se no dever de defender os cidadãos, do mal que conquista...