Capitulo 1

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Podem pensar pelo título que não sou uma pessoa livre. Que de alguma forma não ter as minhas asas é uma metáfora e que sou uma pessoa extremamente dramática que não se vê livre de uma irmã chata que não me devolve as minhas roupas ou pais que me maltratam e não me dão qualquer tipo de liberdade. Não é. A verdade é que nem pais tenho. Ou tive.

Noutra altura antes de realmente perder o que mais me era querido ou o que me faz tanta falta que só de pensar me dá um aperto no peito. Hoje em dia a andar entre mortais com roupas desconfortavelmente justas penso que talvez não devesse ter feito o que fizera.Sei no fundo do que me resta de alma que não me arrependo embora não saiba ao certo o que aconteceu, mas a falta que sentir o vento no meu rosto me faz mata-me todos os dias de dentro para fora. Acho que é das poucas coisas de que tenho a certeza, que de alguma forma me elevava no ar. Não sei como, mas sinto falta. Como é que vim aqui parar? Também não sei ou não tenho a certeza. Sei que deve ter sido mau para tamanho castigo.

Apesar de se terem passado uns bons 5 anos mortais ainda é tudo um borrão e não me lembro da noite em que a minha vida acabou. Metaforicamente claro. A minha vida não pode acabar. Outra triste infelicidade. Não que tenha qualquer vontade de que acabe mas é quase como se me sentisse um monstro no meio de milhões de humanos iguais, que tentam ser perfeitos, sem qualquer diferença, tornando -se aborrecidos. Deve ser o que mais odeio nesta sociedade.

A verdade é que tenho por vezes memórias. Ou sonhos. Não consigo distinguir. Mas presumo que sejam sobre a minha vida anterior. Sei que devo ter sido alguém importante. Ou significante pelo menos.

Por vezes desabo. Não a chorar. Mas apenas o pensamento de que nada poderá voltar ao normal. Que não poderei ser feliz novamente como acho que era destrói-me. Sentimentos desconhecidos para mim. Mesmo em 5 anos neste mundo mortal e não consigo realmente pensar em "gostar" de algo, é-me completamente estranha a sensação de perda de um ente querido por exemplo e agradeço sinceramente a quem me proteja por não ter de passar por tamanha dor.

Não vivo sozinha. Não percebo bem o dinheiro. Apanho coisas diariamente de como me devo comportar ou coisas que devo fazer mas a verdade é não sei o quê. A minha colega de quarto diz que sou extremamente aborrecida e que se farta por eu acordar em meio a gritos durante a noite, diz também que o que me faz ter tal comportamento é um estado qualquer em que a minha mente se encontra que me faz ter um "pesadelo". Outra palavra estranha. Mas com a qual tenho de viver diariamente.

Abro a minha boca ligeiramente para dar um sorriso aos habitantes daquela cidade. Aos "simpáticos" pelo menos.

O facto de dizer ou pensar estas palavras de tal forma não é que seja burra. Eu simplesmente não percebo nada deste mundo tal como se tivesse acabado de nascer.

"Bom dia", pronuncio ao entrar numa loja a que Lia me mandou dirigir com a desculpa de que devia "interagir" mais, embora que não fosse lá por mais de 5 minutos com o objetivo de comprar pão. A melhor coisa neste mundo deve ser definitivamente a comida. Dirigi-me a uma mulher com um fato vermelho e uma placa no peito que indicava o seu nome, Matilde.

"Queria pão", a mulher de olhos cinzentos olhou para mim com as suas sobrancelhas finas e perfeitamente desenhadas franzidas.

"Senhora sou apenas da caixa registadora. Tem de se dirigir aquela secção",disse apontando para o outro lado do supermercado com uma cara nada boa, como se eu fosse estúpida "e pegar nas suas coisas e depois vir aqui pagar".

Fiz o que disse. Mas em vez de me dirigir até à mulher fui para a saída onde alarmes tocaram alto. Estranhei tudo aquilo e parei tentando habituar-me ao som. O que só veio a piorar quando dois homens me seguraram pelos braços. A dizer qualquer coisa sobre não poder roubar. Roubar? Levaram-me para uma viatura azul e dirigiram-se para um prédio branco que desconhecia. Grande novidade não é?

Sai do carro e mandaram-me esperar. então sentei-me num banco com algemas no pulso a prenderem-me ao mesmo e balancei as minhas pernas observando os detalhes das minhas calças pretas rasgadas nos joelhos.

Pelos meus cálculos deveriam ter passado 40 minutos de acordo com o som dos ponteiros do relógio, posição solar e um monte de outras coisas que provavelmente não perceberiam. Dizem neste mundo que sou muito inteligente. Sobre dotada até. Mas tenho a vaga memória de que no meu antigo mundo eram todos muito parecidos a mim seja lá quem eram. Talvez até os tivesse imaginado. Mas sabendo que conhecemos todas as pessoas dos nossos sonhos apenas podemos trocar feições tornando-as irreconhecíveis explicando assim o porquê de não me lembrar de as ter visto neste tempo e presumir que fossem pessoas do local de onde vinha.

"Evelyn?" Ouvi a rapariga de cabelos ruivos mais conhecida como minha colega de quarto. "Nao podes sair por aí a roubar! Eu dei-te dinheiro".

Olhei para a minha mão ainda fechada presa por uma algema com o dinheiro. "Ah" exclamei e baixei a cabeça quando ela dissera ao agente que tinha perda de memória. Era por parte verdade . Mas não gostava de tal desculpa.

Eu e Lia saímos no seu veículo e quando chegamos a casa ela vira-se para mim e abana a cabeça negativamente.

"Não podes fazer destas coisas Ev", disse utilizando o meu diminutivo. "Não temos muito dinheiro e se estiver sempre a livrar-te destas situações não sei o que será de nós" disse a tocando levemente no meu ombro e correndo em seguida para o seu quarto.

Lia tinha um grande coração, coisa que o seu namorado lembrava constantemente. Ele não vivia aqui mas visitava Lia muitas vezes. Sei que me achavam estranha mas nunca se recusaram a ajudar-me.

Se alguma vez "gostei" de alguém saberia que era de Lia. Sabia o ela que ia fazer trancada no seu quarto. Chorar. Expressar a sua tristeza e por um momento senti algo. Culpa? Foi a palavra que me veio à cabeça. Mesmo não sentido qualquer emoção Lia acolheu-me quando me encontrou no parque indefesa e nunca me abandonou. Então decidi que a iria ajudar. Embora estivesse a estudar no "ensino médio" havia uma coisa que poderia fazer.

Dirigi-me até ao aparelho móvel na sala e liguei para uns quantos números conseguindo assim uma entrevista aborrecida ocupadora de tempo para ganhar dinheiro. Perdão. Uma entrevista de trabalho. Vi que faltavam algumas horas então vesti um fato de Lia e sai pela porta dirigindo-me a um restaurante. Antes de fechar a porta ainda a ouvi a proclamar o meu nome seguido de um suspiro.

Estava a comer um bolo de chocolate com um sumo quando sinto o dispositivo que Ray, namorado de Lia me dera, a vibrar avisando que alguém me estava a ligar. Atendi e ouvi a voz do entrevistador a perguntar se podia ir mais cedo. Não pensei duas vezes. Nem pensei de todo mas levantei-me, pagando desta vez, e dirigi-me até ao local, um café a beira mar.

"Senhorita Green", apelido que retirara a Lia.

"Sim"

"O diretor está à sua espera" a secretaria informou-me e entrei na sala para onde apontava.

"Boa tarde."

"Sente-se."

Obedeci e de seguida começaram as perguntas.

"Quantos anos tem?"

"17", podem pensar que sou nova mas como disse, o tempo era diferente de onde vinha.

"Diga-me os seus interesses."

Congelei.

Interesses? Eu não fazia nada durante o dia então limitei-me a sorrir quando o diretor abriu a boca para falar.

"Senhorita..."

Angel Without Wings #Wattys2016Onde histórias criam vida. Descubra agora