Onde nascem as manhãs - Parte I

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Lá estava ela, sentada na beirada da manhã, nas margens de um rio que transitava calmo. Seus pés tocavam respingos d'água. Cabelos curtos, sorriso tímido, olhar brumoso, mente quieta. O rio descia sinuoso por entre o vale. Montanhas escarpadas de puro charme contrastando com o céu nebuloso. Que horas eram? Não sabia. A certeza se fazia dia. Minutos vazios arremessando significados vagos.

Adormecida em mim, vi - com os olhos dela - a valsa de despedida de uma manhã quase perdida. Sonho. Naquele tapete verdejante desabrochado em flor, quase ia perdendo o instante, a transição. O meio, devaneio do dia, almoço na mesa e a certeza da tarde anunciada pelos sinos da igreja.

E o tempo passava assim... Crepúsculo carmim. Quase sempre o sol descortinava as nuvens e se exibia pleno, sangrando. Eu o fitava com o olhar distante, coração aberto, desejando que a noite se ornamentasse com a lua amadurecida, curiosa, cheia de si, transbordante de mim. Tão altiva no azul escuro do céu eu a via percorrer distâncias e expunha, para ninguém, as reentrâncias do meu eu... Pequeno como uma estrela de brilho quase extinto. Um grão de areia.

Nem sempre encontro nos vazios das manhãs o sentido de pertencer, como se nenhum lugar me bastasse. A insatisfação com a vida, num paradoxo de querer ser livre e percorrer distâncias, experimentar novos sabores e, ao mesmo tempo, criar raízes e possuir a plena sensação do que é meu. Foi assim que, de forma misteriosa, precisei retornar para aquele lugar... Lá onde nascem as manhãs.

O desafio imposto pelo susto e pela urgência, almejando decisões e pressionando-me os sentidos fez com que esse retorno inesperado se vestisse de possibilidades. Hoje – pensei – estou muito mais madura, melhorei a forma de encarar a vida e de administrar relacionamentos... Sim, sinto-me pronta!



#300 PalavrasWhere stories live. Discover now