Onde nascem as manhãs - Parte II

15 1 0
                                    

Adormeci no paraíso e amanheci numa tempestade turbulenta que fez-se parecer uma brisa fresca de verão. Acreditei no calor do sol, deixei que queimasse minha pele e abri as portas para um fantasma já velho conhecido. Não, você não me assusta mais – eu lançava as palavras ao sabor do vento. E, realmente, permiti que meus olhos fossem encobertos pelos véus da ilusão. O que faço aqui na terra da estrela da manhã? Antes, eu não sabia. Precisei privar-me das alvoradas e dos entardeceres dourados para sentir a necessidade de tê-los novamente. Meu desejo atendido cobrou-me um preço alto que pensei em pagar com a própria vida.

A transição dolorosa, reafirmou-se com a privação do ar puro em meus pulmões. Aprendi da pior forma possível a mergulhar na zona abissal da minha alma. Obriguei-me a uma apneia sem ter o mínimo preparo para isso. Perdi o ar, a inspiração, a leveza do tempo. E se, ao longo de muitas vidas, perdi-me diversas vezes, naqueles momentos de respiração rasa a perda de mim mesma foi muito mais avassaladora do que o esperado.

É preciso estar no tumulto para compreender a importância do silêncio. Eu precisava descobrir onde nasciam as manhãs e como elas nasciam. Foi assim que fui surpreendida por um presente tão conhecido, a reprise de situações passadas e, sem pensar, pus a culpa na alvorada acreditando que seus filetes de luz sagrada iluminariam apenas o belo. É verdade que havia toda a beleza genuína e inocente, mas a luminosidade ofuscante mostrou-me mais, revelou muito de tudo, inclusive tantas coisas que eu não queria ver.

Como o belo poderia, em toda a sua sutileza, mostrar nuances obscuras, formas sinistras, sombras assustadoras? Eu que pensei que a estrela da manhã refletisse apenas majestosas belezas e que o feio encontrava-se exclusivamente na escuridão. 

#300 PalavrasWhere stories live. Discover now