Espera

289 26 13
                                    



"Se você soubesse que seu tempo está acabando, o que faria? Se fosse a sua última chance de dizer algo, o que diria? Eu tenho tantas palavras e sonhos guardados, Anjo. Não quero que eles morram comigo."

Tempo. Palavras. Essas eram duas coisas que Gabriel gostaria de possuir mais naquele momento. A pequena confissão de Manuela ecoava em sua mente a dias, como uma fita que travara no mesmo acorde. Uma melodia desagradável, que fazia seu peito bater descompassado e seus olhos se encherem d água. Ele também tinha inúmeras coisas a dizer, centenas de segredos para revelar. Mas o tempo parecia escorregar de sua mão, esvaindo-se como água por entre seus dedos.

O garoto suspirou, irritado com seus próprios pensamentos. Um arrepio incômodo subira por sua espinha no segundo seguinte, e ele já não sabia se tal sensação fora ocasionada pelo ar gélido que abrangia o local ou simplesmente por seu nervosismo. Estava de fato bem frio na pequena sala de espera que cheirava a remédios e desespero. O grosso casaco de algodão que usava não surtia efeito algum, e suas bochechas pareciam estar prestes a congelar. Em contrapartida, suas mãos suavam como nunca e sua respiração falhava como se houvesse corrido uma maratona. No fundo, sabia que estava extremamente nervoso. Sentir o coração quase pular pela boca a cada instante não deveria ser algo considerado normal.

Mas talvez aquilo não fosse de tão ruim. Quem sabe assim a dor que palpitava em seu peito pudesse enfim cessar?

Com os pés batendo impacientes contra o chão, o rapaz de cabelos castanhos rodou os olhos pelo ambiente, tentando distrair-se com algo que não fosse seu próprio sofrimento. Já fazia horas que estava sentado numa pequena e incômoda cadeira que havia na sala, enquanto suas costas doíam devido a sua má posição e sua cabeça latejava por consequência das noites mal dormidas. Na verdade, ele já não conseguia recordar a última vez que tivera uma boa noite de sono, sem que acordasse alarmado após uma sequência de pesadelos mórbidos e repetitivos. Seus sonhos sempre estavam ligados a perda, a morte, a ela. E aquilo o assustava mais até do que imaginava.

Gabriel piscou repetidas vezes suas íris escuras, notando o sono lhe consumir cada vez mais e fazer pesar suas pálpebras. Não podia se dar ao luxo de dormir. Embora estivesse por deveras cansado, sabia que faltava pouco para que o horário de visitas do hospital iniciasse, e não arriscaria perder a hora como no dia anterior. Ainda se sentia imensamente culpado pelo atraso, imaginando o quão irritada estava Manuela devido a seu desaparecimento repentino. Com a atenção redobrada no relógio, ele parecia contar cada minuto que passava, ao passo que sua mente viajava para o passado. Se nada daquilo houvesse ocorrido, os dois estariam num lugar bem diferente naquele momento. Provavelmente aproveitando mais uma tarde de sábado em seu quarto, como costumavam fazer.

E por Deus, como ele tinha saudades disso.


Um ano atrás...


Seus longos cabelos flutuavam em consequência do vento que batia na janela, embaralhando os fios loiros uns nos outros. O sol, que brilhava fraco naquele horário, iluminava de maneira graciosa sua face, destacando as pequenas sardas em suas bochechas e o sorriso tímido que pendia em seus lábios. Ali, com os olhos fechados e a pele brilhando, a garota parecia estar em um mundo completamente diferente, mergulhada em suas próprias lembranças.

Gabriel não aparentava se importar com o silêncio presente em seu quarto. Na verdade, adorava quando a amiga viajava em seus pensamentos, podendo assim observá-la livremente sem ser repreendido. Achava engraçado o modo como ela simplesmente se desligava de tudo a sua volta e imergia em outra realidade. Uma realidade só dela. Ás vezes, pegava-se desejando ferozmente saber o que se passava na cabeça de Manoela. Ele queria poder ter acesso a seu mundo interior.

— No que tanto pensa? — Gabriel se surpreendeu ao constatar que a pergunta saíra de sua boca. Talvez tenha pensado alto demais.

— Na vida — A garota deu de ombros, abrindo lentamente seus olhos. — No futuro, para ser mais exata.

— Está com medo dele? — Suas íris azuis brilharam com a pergunta audaciosa do amigo.

—Você sabe que não sinto medo, Anjo. — Um sorriso debochado surgiu em seus lábios. — Estou apenas ansiosa, acho. Quero usufruir do que a vida tem para me oferecer.

— Você deveria aproveitar o presente, Manu. Não perca tempo sonhando com o que ainda está por vir. — Ela fitou o rapaz por um momento, atenta a sua fala. Virou-se lentamente em sua direção, esticando os braços e envolvendo-os em sua cintura de maneira delicada, porém abrupta.

— Mas eu estou aproveitando —Sussurrou, mantendo sua respiração colada no pescoço do garoto. Os pelos da nuca de Gabriel se eriçaram. — Não há melhor maneira de desperdiçar uma tarde de sábado, ora! Eu e você, aqui, observando as nuvens que passam no céu. Daqui a pouco surgem as estrelas!

— Uma tarefa realmente muito interessante, tenho que acrescentar. — Uma breve risada escapou dos lábios de seu amigo, fazendo com que a garota franzisse o cenho, ligeiramente incomodada com seu tom irônico.

— Pensei que gostasse de passar um tempo comigo. — Havia uma leve dose de decepção em sua voz. O garoto arregalou os olhos, constatando que Manuela não entendera o verdadeiro sentido de suas palavras.

— Mas é exatamente essa a questão — Gabriel envolveu com as mãos o pequeno rosto a sua frente, erguendo-o e quase se embriagando por aquela imensidão azul que encarava. — Mesmo que façamos algo tedioso e insignificante, não me importo. — A expressão de Manuela tornou-se confusa. — Estar ao seu lado já é algo que vale a pena, independente das circunstâncias.

Ela piscou os olhos repetidas vezes, até que um sorriso de ponta a ponta se formou em sua face. Devagar, soltou-se de Gabriel, deixando um leve formigamento no local onde seus braços estavam e retornando a sua antiga posição. O garoto queria puxá-la novamente e sentir o calor de seu corpo. Era uma das sensações que mais apreciava no mundo todo. Mas conteve-se, sabendo o quão estranho tal reação poderia soar, e agradeceu mentalmente por ao menos tê-la ao seu lado.

— É uma pena — A jovem tornou a falar, pronunciando as palavras num tom baixo e extremamente doce. —Confesso que só estou aqui por causa do céu. Você sabe que para pessoas que vivem em primeiro andar, uma vista dessas não é algo que se tem todo dia.

Gabriel sorriu, divertindo-se com a pequena mentira contada por sua melhor amiga. Pouco sabia ele que o coração da garota batera descompassado após sua confissão. Ainda a fitando, deu um leve empurrão em seu ombro, escorando-se ao seu lado na pequena janela. Não tardou para que Manuela voltasse sua atenção mais uma vez para a paisagem, admirando a chegada da noite com o mesmo sorriso alegre de minutos atrás. Ele sabia que era uma questão de tempo para que ela se perdesse em seus pensamentos novamente, mas estava feliz com isso. Só assim também poderia retornar a um de seus passatempos prediletos: Observá-la.

No fundo, o rapaz também achara que aquela era uma ótima maneira de desperdiçar uma tarde de sábado.

Olhe para o céu [Completo]Onde histórias criam vida. Descubra agora