Entrega

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Gabriel? — Uma voz doce lhe despertou de seus pensamentos dolorosos. O garoto ergueu a face, tendo sua atenção voltada para o par de olhos azuis estranhamente familiar que o fitava. Por um momento, cogitou estar de frente para Manu, mas logo notou o tom mais escuro que havia naquele olhar. Era diferente.

Não poderia ser ela, de qualquer forma. Infelizmente não.

Oi, tia Luísa — O garoto lançou-lhe um sorriso amarelo. Ao contrário dele, a senhora de cabelos extremamente loiros e pele marcada pela idade curvou seus lábios de modo sincero e caridoso. — Me desculpe, estava um pouco distraído.

— Tudo bem, eu entendo — A mulher assentiu, analisando as olheiras pesadas abaixo dos olhos do moreno. Ela compartilhava daquele cansaço. Sabia que sua aparência também não deveria estar das melhores, mas essa era a última das coisas a qual se importava no momento. — Só vim avisar que as visitas estão liberadas. Estou entrando com Fernando para ver Manuela agora. Você vai querer vê-la depois?

Gabriel ergueu sua coluna abruptamente, surpreso com a notícia. — Claro! — Assentiu, sentindo um vestígio de alegria preencher seu peito. A ideia de poder ver a melhor amiga com os próprios olhos novamente fazia seu estômago embrulhar em pura ansiedade. — Eu entro logo depois de vocês.

— Tudo bem então — Luísa concordou, deixando seu olhar se perder por alguns instantes. A mente estava longe, presa nos inúmeros problemas que pesavam sob suas costas. A senhora de íris claras precisou piscar os olhos repetidas vezes para retornar à realidade, enfim se dando conta de que já deveria estar no quarto, ao lado de seu marido e da filha. Com um fraco suspiro, retornou sua atenção ao menino sentado diante de si. — Acho que está na minha hora. Nos vemos depois, querido.

Gabriel apenas assentiu, silencioso, enquanto a observava se afastar e ir de encontro a um homem alto e esguio que se encontrava próximo ao corredor. Os dois enlaçaram as mãos — um sinal simples, porém profundo de cumplicidade — e rumaram em direção a área dos pacientes. Naquele instante, a mente do rapaz tornou a vagar para longe. Era engraçado o fato de que conhecia aquele casal tão bem, mas pouco tinha lhes dirigido a palavra nos meses que se seguiram. Basicamente, o garoto se comunicava com os pais de Manuela através de olhares caridosos e meios sorrisos, e no fundo, sabia que aqueles pequenos gestos eram suficientes. Quando pessoas compartilham da mesma dor, palavras não se fazem necessárias. Você simplesmente sabe o que o outro está sentindo e respeita seu silêncio, porque seu coração está igualmente machucado.

Devido a isso, o rapaz conseguia ter uma breve — ou talvez, até grande — noção da angústia que os acobertava. Afinal, Manu era apenas a garotinha deles. A única filha, o orgulho da família e alegria da casa. Vê-la daquela forma, deitada numa cama ao passo que todo o seu brilho aos poucos ia se dissipando, era, no mínimo, frustrante.

Gabriel sabia que, no fundo, a garota não voltaria a ser como antigamente. A única coisa que lhe restaria da Manuela saudável e feliz eram as lembranças. A memória da melhor amiga sorridente que amava observar as estrelas; Da menina cheia de vida que, quando menor, corria em meio aos cômodos de seu apartamento em plena manhã de domingo, enquanto seus pais tentavam descansar depois de uma semana cansativa.

Essa imagem era, sem dúvidas, a que mais enchia seu peito de saudade. Gabriel presenciara tantas vezes aquela cena. Na realidade, ele não só a vira, como participara. Desde pequenos, ele e Manu adoravam correr em meio a seu grande apartamento. Pena que isso não agradava muito seus pais. Mesmo maiores, os dois ainda faziam suas algazarras pelo apartamento. Pelo menos, até o momento em que a garota fora obrigada a ficar internada. Gabriel se recordava bem do último domingo que passaram juntos no apartamento da garota, uma semana antes da doença começar a dar seus primeiros sinais de gravidade, ocasionando na ida de Manuela ao médico.

Olhe para o céu [Completo]Onde histórias criam vida. Descubra agora