– Talvez ele pense, meu bem.
Talvez ele apenas tenha mais medo do
que você. Éramos...
– Sei, tão jovens – interrompeu-a e
disse ainda chorando. – Já me falou isso
muitas vezes, e sinto muito, mãe, mas
não posso mais acreditar que ele sequer
lembre do meu nome. Mesmo eu
carregando o nome da avó que nunca
conheci; a mãe dele. Eu não posso, não
consigo mais lidar com a decepção da
espera desse alguém, esse alguém que
nunca chega.
– Minha filha, então arranque-o de vez da suas expectativas e preencha sua
vida com a verdade daquilo que você
tem aqui em casa, com o meu amor e
com o amor de seus amigos. Preencha
sua vida com a sua sensibilidade, com o
seu talento com as palavras, com a sua
arte.
– Eu liguei para ele há uma semana.
– Oh, Francie. De novo?!
Quando ela tinha pouco mais de um
ano de vida, o pai se separou da mãe e
mudou de cidade. Prometeu que
manteria contato. Francesca lembrou que
o procurou algumas vezes, queria ta esse prometido contato. Enquanto era
criança, fez isso por intermédio da mãe,
Sophia. Foi até Nova York duas vezes e
tentou uma aproximação. Na primeira
visita, ela tinha quatro anos. Seu pai
estava viajando, sem data para retornar.
Na segunda tentativa, ela tinha seis anos.
Disseram que ele não podia recebê-la,
pois estava em uma reunião, mas
pediram que um responsável deixasse o
contato de onde ficariam, pois ele iria
procurá-la. Esperaram por três dias. Na
última vez, depois dela muito insistir, a
sua mãe conseguiu o telefone da casa de
Antonio em Nova York. Ela tinha 12 anos e nunca mais se esqueceu daquela
ligação. Os detalhes do telefonema
ecoaram. Foi uma criança quem atendeu.
Uma menina. A filha mais nova do seu
pai, a sua irmã. Francesca sabia quem
era, mas não teve coragem de falar nada.
Então, perguntou por ele e ouviu a
menina gritar na linha:
– Papai, telefone.
E, pela primeira vez, ela ouviu a
voz do pai. Pela primeira vez na vida
ela ouviu o pai falar a palavra – “filha”.
– Pergunte quem é, filha, por favor
– foi o que ele disse. Ela reuniu toda a coragem do seu
coração para responder:
– É a Francesca.
Entretanto, mal conseguiu falar,
pois as lágrimas intumesciam a boca. O
coração batia tão rápido no peito que
ela achou que iria o perder para sempre.
Ouviu a sua irmã dizer:
– Chama-se Francesca.
Ouviu o silêncio durante instantes
que pareciam eternos. Percebeu que uma
mão tapava o bocal do telefone. Grudou
tanto a orelha no aparelho, concentrou- se tanto, que parou até de respirar.
Queria ouvir – e conseguiu – a voz baixa
e abafada de Antonio dizer a estranha
que era a sua irmã:
– Filhinha, o papai não pode
atendê-la, diga a ela que eu ligo outra
hora.
Francesca desligou o telefone antes
de escutar a resposta que já havia
entendido; e chorou, chorou por dias.
Chorou de tal maneira que a sua mãe
jurou nunca mais deixá-la tentar fazer
qualquer contato com o pai. Por isso a consternada expressão de Sophia na
noite do seu 15o aniversário.
Chorando por outro homem, ela
ouviu do seu passado a conversa que
teve com a mãe. A última conversa
longa sobre o pai.
– Eu liguei há uma semana no
escritório dele no New York Times. A
sua assistente foi quem atendeu – disse
Francesca naquela noite. – Então,
imagino que ela tentou transferir a
ligação para ele. Mas logo em seguida
foi ela quem retornou à linha. A moça
foi tão doce comigo que me abri. Eu pedi a ela para falar a Antonio que eu o
perdoava, que eu não o culpava por
nada e que queria que ele me ligasse, ou
lembrasse do meu aniversário de 15
anos. Passei a data, o nosso telefone e
também o endereço – voltaram as
lágrimas – caso ele não se lembrasse.
Ela disse ter anotado tudo e que
entregaria assim que fosse possível. –
Alguns soluços vieram ainda mais
decididos. Disse com a voz trêmula. –
Mamãe, achei que assim ele viria. Eu
acreditei que dessa vez ele ao menos
ligaria.
A mãe em silêncio a abraçou, e Francesca sabia que a senhora também
chorava. Sophia parecia sofrer ainda
mais que ela com aquela situação. Após
alguns momentos de cumplicidade
silenciosa, a mãe enxugou as lágrimas
do rosto da jovem. Falou com a voz
tomada por tristeza, mas vívida de uma
certeza que apenas as mães possuem:
– Você é a jovem mais
extraordinária que conheço. É linda, é
inteligente, é tão doce e sensível, e ele –
fez uma furiosa pausa –, ele é um
coitado de ter perdido este milagroso
presente que a vida lhe deu. Francesca soluçou. Lembrou como
fez para superar aquela noite. Aqueles
anos de abandono, a culpa e o medo. Ela
se fez forte o bastante. Interpretou bem o
papel de corajosa e vencedora. Mesmo
se sentindo destroçada, na escola,
passou a se dedicar mais do que nunca
aos estudos. Virou diretora dos clubes
dos quais participava. Inscreveu-se em
alguns concursos de escrita, de poesia,
de contos pelo país e ganhou vários
deles. Formou-se com honra e mérito.
Destacada por professores e diretores
como uma jovem brilhante. Tentou
algumas das melhores universidades dos Estados Unidos para o curso de Letras.
Recebeu a oferta de bolsa para algumas
delas.
Nova York foi a escolha. Continuou
dedicando-se ao teatro e à escrita, suas
duas grandes paixões. O teatro trouxe o
homem por quem chorava anos após ter
chegado à enorme metrópole. Ela, que
quando foi traída com 16 anos pelo
primeiro namorado, jurou que nunca
mais se entregaria a nenhum homem, que
nunca mais choraria por nenhum homem,
chorava. Ser traída com 16 anos era
algo mais fácil de digerir. Ser traída
com 26 parecia pior, muito pior... Não Ser traída nunca era fácil, com 2, 3, 12,
16 ou 26, pensou.
Olhou pela janela, as luzes da
cidade sempre tão acesas. Olhou o fluxo
de faróis deslocar-se em feixes de luz na
parede do seu quarto. Restaurante, lojas,
bares e movimento. Ela dividia um
apartamento no Soho com duas amigas.
Na época, ela considerou que tinha
muita sorte. O pai de Olivia, uma das
amigas, era proprietário de alguns
imóveis na cidade – um apartamento
com baixo custo em um bairro tão
central seria impossível pagar. Mal
sabia que a real sorte seriam as amigas que encontrou naquele apartamento.
Amigas que a centravam.
Havia passado 7 anos desde que
chegou em Nova York. Nunca se sentiu
sozinha. Mas, naquela noite, ela não
conseguia parar de chorar e sentia-se só,
assim como estava à sua cama.
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ENTRE O AMOR E O SILÊNCIO
RomanceApós presenciar seu namorado a traído, Francesca busca superar essa traição , por meio de trabalhos comunitários. E é em um desses trabalhos que ela conhece Mitchel . Mitchel que recentemente sofreu um acidente se encontra lutando entre a vida e a...